O homem que não existe!


Um mendigo vive perambulando pela rua  perto da minha casa.Magro,idoso tem o rosto vincado de rugas, se veste com trapos, cabeludo, mais ou menos limpo, algumas vezes toma banho(nem desconfio onde!).
Penteia os cabelos e troca de roupa, e como todo andarilho leva um saco de pano com seus pertences.(gostaria de saber o que ele contém!)

Cada vez que passa por mim sempre de cabeça baixa,  o cumprimento , as vezes ele responde,outras finge não me ver,mas mesmo assim o cumprimento.
Outro dia minha sandália arrebentou a tira, me sentei numa mureta baixinha para tentar diminuir o “estrago” e poder me arrastar até em casa.
Ele me viu e se aproximou,tinha um forte cheiro de álcool,mas não parecia estar bêbado.Com voz “sumida” perguntou:
-Tudu bem ca sinhora?
Me surpreendi com aquela atenção.
- Sim está tudo bem,só minha sandália que arrebentou.
-Si a sinhora quizé posso tentá dá um jeitu,tenhu um pedaçu de barbante pra amarrá.
-Eu quero sim,se o senhor puder me fazer o favor.
Entreguei a ele a sandália,ele a pegou com gentileza,suas mãos tremiam.
-Eu veju sempri a sinhora puraqui é a única qui mi cumprimenta, só pur que bebu elis nem mi olha,mai tudu bem,elis num sabi di nada!
-Pode ser,mas eu não condeno nem reparo em ninguém, acho que cada um faz da sua vida o que quiser.O senhor não se ofende se eu lhe perguntar se tem família?
Colocou o saco de pano no chão,remexeu nele algum tempo e de lá tirou um pedaço de barbante grosso.
-Não.Sô sozinhu, pur que  fiquei trinta anu presu, na cadeia passei u diabu,mai us parenti num quê mi vê nem pintadu di oro i nem eu queru sabê delis.
-Que pena,eles podiam lhe ajudar.
-Nem pensá nissu,eu num queru ajuda di seu ninguém! Sô filiz du jeitu qui tô,vivu livri, como quandu posso, durmu im qualqué lugá,bebu u quantu queru,ninguém manda ni mim,nem mexi cumigu.
Ele começou a trançar o fio de barbante com muita calma...
-Agora fiquei curiosa, por que foi preso?Se não quiser contar não tem importância,tudo bem.
-Contu sim,num mi invergonhu du qui fiz,foi pur causa di qui matei minha muié i um cara traficanti qui viciô ela im crack.Ela virô u capeta,i o miseráve ia na minha  casa dá droga prela.Um dia elis tava na cuzinha fumano juntu,quano eu cheguei du sirviçu,ela tava quasi morta di tantu fumá,na minha casa num tinha mai nada,ela vendeu tudinho, té minhas roupa.Quandu eli mi viu si assustô i partiu pra cima di mim cum porreti,pra mi defendê  peguei uma faca i furei eli,ela então avançô ni mim,fui afastá ela i sem querê tamém firi muitu ela qui acabô morrenu nu hospital doi dia dipois.Elis desgraçaro  minha vida.Hoje só ficu filiz quanu bebu,isqueçu tudu di ruim,ficu tranquilu, ficu carmu,sonhanu com coisa boa.
-O senhor já procurou ajuda?
-Não nem quero,tentaro mi interná, fugi,num queru nada,queru só qui mi dexa im paiz.Prontu já rrumei sua sandaia,podi carçá.
Peguei a sandália e calcei, ele tinha feito um bom trabalho,estava ótima.
-O senhor me ajudou muito eu não ia conseguir chegar em casa a não ser que fosse descalça.Gostaria de lhe dar alguma ajuda pelo favor que me fez,um dinheiro para  comprar alguma coisa para comer.
-Num pricisa , dinheiru pra mim só servi pra bebe i pro dia di hoji já tenhu.Catei uns papelão i já rrumei dinhero .
-Mas e para comer?
-Carece não, num vô minti pra sinhora , si mi dé dinhero eu vô bebe.
-Tudo bem,desde que esteja feliz,quero lhe dar dinheiro assim mesmo.
Tirei uma nota da carteira e dei a ele, que a pegou meio sem jeito.
-Tome o dinheiro faça com ele o quiser, é seu.Mas  me diga seu nome.
-Num tenhu nomi não,já tivi,agora num tenhu mais.Brigadu dona,Deus juda a sinhora,pelu menu com essi dinhero garantu a bibida por mais uns dia.Té logo .
Foi saindo devagar com sua trouxa nas costas.
-Até logo, Muito obrigada, o senhor me ajudou bastante, depois a gente se vê por aí.

Ele não respondeu e  foi se afastando, levando sua tristeza,os ombros caídos,as costas encurvadas.
Era a imagem de um homem derrotado pela vida.
Fiquei vendo  ele partir,e pensei com meus botões,uma criatura assim,é um fantasma tão sem esperança, tem mais que beber e esquecer que o mundo existe assim  como ele próprio...

 
M.H.P.M.
 
 
 
 
Helena Terrivel
Enviado por Helena Terrivel em 22/11/2012
Reeditado em 22/11/2012
Código do texto: T3999512
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