A PSICOLOGIA DA CACHORRA

Vocês sabem que eu falo com os cachorros? Não é com todos, é bem verdade, mas com alguns especiais.Eu conversava com a Fofinha, minha cachorra preferida que já morreu, converso também, com a Preta uma cachorra de rua e falo até com o Amarelo, um cachorro fedorento que vive atrás da Preta. Não é uma conversa normal, como se fala com gente, tipo assim:

-Como vai, minha senhora cachorra?

-Eu vou bem, graças a Deus, e contigo tudo legal, meu amigo?

O papo não é assim sabe? É mais no entendimento, na telepatia, tipo aqueles caras que aparecem na TV dizendo que falam com os extra terrestres.

Pois bem, outro dia estava lá na praia, sentado na varanda da minha casa, quando a Preta chegou. A Preta é uma cachorra que vive na rua e é alimentada por todos os vizinhos. Ela se deitou a meu lado, deu uma focinhada no meu braço pedindo um cafuné. Pedido feito, pedido aceito e acariciando-a falei:

- Sabe Preta, hoje encontrei um amigo que me disse estar com depressão. Acha que é por falta de amizades, pois se sente muito só.

- Diz para o teu amigo contar outra, depressão é coisa que vem de dentro. Não tem nada a ver com amigos, que são coisas de fora –respondeu, séria, a cachorra.

- Mas ter muitos amigos é bom! – falei.

- Não é bem assim, temos que ter bons amigos, não precisa serem muitos. Eu mesma, que me considero muito feliz, tenho poucos amigos. - respondeu a Preta.

- Mentira! - teimei com ela. - Tem um monte de adultos e crianças aqui na rua que te paparicam um bocado.

- Alguns, outros são só simpatizantes e tenho até inimigos. Mas eu não vou ficar triste, eu os enfrento.

-Que inimigos?- indaguei.

-O Bomba, por exemplo, é meu inimigo! Não me dá comida, não me deixa entrar no quintal dele, me chuta e me chama de catinguenta toda vez que passa por mim!

-Que Bomba é este Preta, tás maluca?

-O teu vizinho, maior terrorista! Só é bonzinho na frente dos outros, baita falso! Mas voltando ao teu amigo, eu não o conheço, mas acho que ele está é com falta de serviço. Falta do que fazer, isto sim, deixa a gente muito triste! Dá um descontentamento, a gente fica vazia.

-Tú achas, é?

-Acho não, tenho certeza! Eu tomo conta das casas, dos automóveis, brigo com outros cachorros que passam por aqui, corro atrás dos motoqueiros, persigo os maconheiros que fumam a noite na areia e quando não tenho nada para fazer vou lá no mangue caçar caranguejos. Passo o dia todo ocupada, mal tenho tempo para uma soneca, que dirá para tristezas!

-Falar nisso - retruquei - eu acho um costume muito feio tu ficares correndo atrás dos caras que passam de moto pela rua. Tu não vês que é falta de educação!

Ficas enchendo o saco deles e da gente!

-Eu sei - Disse ela – eu até queria evitar, mas faz parte da minha essência canina. Todos cachorros perseguem motoqueiros, cavalos, ciclistas, tudo que se mexe a gente persegue! É o maior barato, cara!

- Maior barato é o diabo! Qualquer hora a carrocinha te pega pra fazer sabão - falei bravo com ela.

- Bobagem, pega nada! Tu achas que eu sou boba? Que não conheço a carrocinha? Quando eu vejo a coisa perigar eu pulo de banda.

-Tá bom, problema teu! Mas voltemos para o assunto do meu amigo. O que tu achas que ele deve fazer pra ficar feliz?

-Este teu amigo é gente ou é cachorro?

-É gente, claro! - Respondi

-Bom! Em primeiro lugar ele tem que tratar de ficar mais contente consigo mesmo, em seguida ver os problemas que estão lhe incomodando e tentar resolvê-los, parar de pensar bobagens, relaxar, começar a trabalhar, arrumar uma namoradinha e ir a umas festinhas. Ele tem que viver! - enfatizou ela.

-Que cachorra inteligente! Pensei.

Vou falar com meu amigo para me visitar e, entre uma e outra cervejinha, fazer terapia com a Preta. Eu fico só de intérprete. Com todo esse conhecimento da Psicologia Humana, em pouco tempo, ela o cura da depressão. Enquanto isso vou tirar mais algumas informações dela.

Mas quando ia reiniciar a conversa escutei o barulho característico de uma moto. Era o carteiro que passava na rua entregando a correspondência nas casas.

E pronto, lá se foi a Preta em louca disparada, pulando o muro, furiosa, pêlos arrepiados, dentes arreganhados, latindo e perseguindo a moto e o carteiro que, desesperado, se defendia aos chutes.

E por um instante fiquei pensando e duvidando se aquele era o ser tão sensato e inteligente que minutos antes, tinha me ensinado tanto sobre o comportamento humano.

Mas continuo a confiar na cachorrada!

HAMILTON SANTOS
Enviado por HAMILTON SANTOS em 03/03/2007
Reeditado em 04/12/2014
Código do texto: T400036
Classificação de conteúdo: seguro