O som do silêncio

Antes de escrever essa linha dediquei meros trinta segundos a perceber o som do ambiente. Estou algemado no trabalho, o que limitou meu cenário, mas duplicou, triplicou minha vontade. Sim, admito que escrevo frequentemente no trabalho. Como evitaria, se sou apenas um coadjuvante de um protagonista desatarefado? Vim para bater o ponto, porque essa é a vida: números, datas e assinaturas. E uma vez por mês, cifra.

O ar-condicionado ofega em um som constante servindo nosso conforto. Dois superiores conversam sobre algo que não me interessa à minha esquerda. Tento ouvir minha respiração, mas minha surdez progressiva que me atormenta desde criança me impede (preciso ir ao médico, não?). Expiro e inspiro com mais força, até o ponto que consigo ouvir ou acredito que consegui. O ar-condicionado e a conversa já fugiram à minha atenção, e o desfecho da peça foi o ranger da porta à direita abrindo. Um colega entrara.

Em 20 anos de voltas no Sol, não me vem à memória nenhuma tentativa anterior de ouvir o som do ambiente. Provavelmente minto. Corrijo: certamente minto. Criança que sofre de infância experimenta tudo, até ouvir a sinfonia insossa do ar-condicionado. Mas lembrar, não me lembro. E fiquei receosamente encantado nessa minha epopeia pessoal de trinta segundos. Imagino quantos sons eu não consegui ouvi por causa da minha dificuldade auditiva (e logo eu, dono de blog de música). Mais além, quantos sons que devem existir fora da frequência perceptível da nossa aparelhagem biológica. Quantos sons, imagens, toques, cheiros… Quantos sentidos não devem existir além dos nossos cinco. Uma ridícula pausa de trinta segundos resultou em uma epifania e na consequente crônica que lê.

Não pense que gostei do que ouvi. Detestei. O som do ar-condicionado é tão monótono que meu inconsciente aprendeu a ignorá-lo para meu consolo. A dificuldade de ouvir minha respiração e meu vão esforço me frustraram. A porta rangendo foi um lembrete desta: “existe um ‘lá fora’, mas você está ‘aí dentro’”. Detestei. O que eu gostei, o que me animou, então, foi lembrar da lei de equivalência. Obrigado, Brás Cubas. Foi lembrar que o equilíbrio do universo e da natureza exige que, para sons e sensações ruins, é preciso have equivalente sons e sensações boas. Deus me livre de me torturar tentando “aproveitar as coisas simples da vida”. Quero ir atrás das coisas grandes, das coisas boas. Quero ir atrás, procurá-las, e já sei onde NÃO começar: aqui.

Athos Krochensko
Enviado por Athos Krochensko em 27/11/2012
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