Rubem Braga.
Nasceu 12 de Janeiro de 1913
Morreu  17 de Dezembro 1990

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O Crime de Plágio Perfeito.
Rubem Braga
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Aconteceu em São Paulo, por volta de 1933, ou 4. Eu fazia crónicas diárias no Diário de São Paulo e além disso era encarregado de reportagens e serviços de redacção; ainda tinha uns bicos por fora. Fundou-se naquela ocasião um semanário humorístico, O Interventor, que depois haveria de se chamar O Governador. Seu dono era Laio Martins, excelente homem de cabelos brancos e sorriso claro, boémio e muito amigo. Pediu-me colaboração; o que devia pagar era muito pouco, mas eu não queria faltar ao amigo. Escrevi algumas crónicas assinadas. Depois comecei a falhar muito, e como Laio reclamasse, inventei um pretexto para não escrever. Seu jornal era excessivamente político, e eu não queria tomar partido na política paulista. Laio não se conformou: "Então ponha um pseudónimo!"
 
Prometi de pedra e cal, mas não cumpri. Laio reclamou novamente, me deu prazo certo para lhe entregar a crónica. No dia marcado eu estava atarefadíssimo, e quando veio o contínuo buscar a crónica para O Interventor, eu cocei a cabeça — e tive uma ideia. Acabara de ler uma crónica de Carlos Drummond de Andrade no Minas Gerais, órgão oficial de Minas, com um pseudónimo — algo assim como António João, ou João António, ou Manuel António, não me lembro mais; ponhamos António João. Botei papel na máquina, copiei a crónica rapidamente e lasquei o mesmo pseudónimo.

 
Dias depois recebi o dinheiro da colaboração, juntamente com o pedido urgente de outra crónica e um recado entusiasmado do Laio: a primeira estava esplêndida!

 
Daí para a frente encarreguei um menino da portaria, que estava aprendendo a escrever à máquina, de bater a crónica de Drummond para mim; eu apenas revia, para substituir ou riscar alguma referência a qualquer coisa de Minas. Pregada a mentira e praticado o crime, o remédio é perseverar nesse rumo hediondo; se às vezes senti remorso, eu o afogava em chope no bar alemão ao lado, e o pagava (o chope) com o próprio dinheiro do vale do António João.

 
O remorso não era, na verdade, muito: o Carlos não sabia de nada, e o que eu fazia não era propriamente um plágio, porque nem usava matéria assinada por ele, nem punha o meu nome no trabalho dele. E Laio Martins sorria feliz, comentando com meu colega de redacção: "O Rubem não quer assinar, mas que importa? Seu estilo é inconfundível!"

 
O estilo era inconfundível e o chope era bem tirado; mas você pode ter a certeza, Carlos Drummond de Andrade, que muitas vezes eu o bebi à sua saúde, ou melhor, à saúde do António João. Isto é, à nossa. Dos 25 mil-réis que o Laio me pagava, eu dava 5 para o menino que batia à máquina; era muito dinheiro para um menino naquele tempo, e isso fazia o menino feliz. Enfim, lá em São Paulo, todos éramos felizes graças ao seu trabalho: Laio, o menino, os leitores e eu — e você em Minas não era infeliz.

 
Não creio que possa haver um crime mais perfeito.


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Em 1933 Rubem Braga tinha 20 anos de idade.


Carlos Drummond de Andrade.
Nasceu 31 de Outubro de 1902.
Morreu  17 de agosto 1987
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Em 1933 Carlos Drummond de Andrade tinha 31 anos de idade.


Rubem Braga se dizia um poeta frustrado.
Carlos Drummond de Andrade se dizia "escrevinhador".

Quem leu Rubem Braga sabe que muitas de suas crônicas são poesia pura.

Quem leu Drummond sabe quem é Drummond para as letras.


Rubem Braga um  crônista poético.
Carlos Drummond de Andrade O poeta cronista.



Aí eu vejo pessoas dando a si os títulos de poeta fulano, cronista beltrano...

Como disse o carteiro para o Rubem Braga:
"O pessoal anda muito desorientado".









 
 
 
 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 01/12/2012
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