A cara da riqueza

Ontem ouvi pela enésima vez uma frase “filosófica” que diz: “Você tem duas chances de ficar rico; uma, quando nasce, outra quando casa.”

Pareceu-me mais um erro consagrado com o óleo da indigência intelectual e até moral, que qualquer outra coisa. Primeiro: esposa a ideia que, ficar rico seja o sentido da vida; depois, que isso só é possível por golpes de sorte e nenhum outro meio mais.

Quem pensa assim, deve tentar assistir ao menos duas edições do “reality” “Mulheres ricas” para ver quanta futilidade, vaidade, presunção, fomentam tais “riquezas”. Na chamada do programa, uma “rica” jacta-se de possuir 80 bolsas importadas; o que daria para comprar um apartamento. Entretanto, outro dia, um casal de mendigos que morava sob um viaduto em São Paulo devolveu mais de 20 mil reais que acharam no lixo; prefiro esses ricos, àquela.

Ninguém é hipócrita de negar, nem ingênuo de pensar que, aspirar melhorias econômicas e trabalhar por elas não seja o caminho natural do ser humano.

Entretanto, a maioria que sonha ficar rico por golpes da sorte, o faz por aversão ao trabalho; mesmo que conscientemente não admita. O sonho é “viver a vida”, despreocupado.

Além do mais, há outros meios de atingir isso. Temos uma turba que noutros dias demonizou as elites; hoje, chegou lá, tornou-se elite mediante logro, corrupção; outros enriquecem da noite para o dia, quando acertam uma loteria qualquer; há os que nascem com dons extraordinários para esportes, artes; esses dons viram ouro; sem falar dos bravos que logram isso, pelo árduo caminho do trabalho, empreendedorismo.

Nascer em berço de ouro pode ter lá seu conforto; mas, nada como a têmpera que as agruras da vida emprestam a quem conhece as privações. Quem lutou por algo avalia melhor que aquele que herdou. Lembro um provérbio japonês que parece apontar noutro rumo; diz: “Se teu filho for bom, ele não precisa da tua herança; se for mau, não a merece.” Nesse caso, parece que o que se deve legar é a formação do caráter com o qual, tudo se resolve.

Os que ficam ricos quando casam também merecem um apreço. Claro que pode acontecer de existir vero sentimento entre pessoas de classes sociais distintas; agora, quando alguém “ama” apenas de olho nas posses de outrem, tal novo rico é um bosta tão pobre, que sequer para adubar a horta serve; uma vez que vende sua alma.

Lembro uma frase de autor ignorado que diz: “Rico não é quem tem mais, mas, quem precisa menos”.

Pensar que tem uma corja de safados empunhando a Bíblia, que apregoa valores espirituais, para ensinar obter riquezas materiais.

Não é a fé que gera a indigência mental, como acusam os ateus; mas, a indigência moral, que acredita serem as riquezas um deus, que leva seus reféns a se travestirem de crentes, usando Deus, com a “moral” de Maquiavel. Afinal a frieza calculista de “bispos” e “apóstolos” que isso ensinam, espanta; um dia descobrirão que estão edificando iglus no trópico.

Como vimos, há muitas possibilidades de ficar rico; mas, a veraz riqueza é leve demais para coabitar com o peso da matéria.

Ainda que o discurso da Sabedoria pareça meio pretensioso, acho que ela está certa no que fala; pois, diz: “Riquezas e honra estão comigo; assim como os bens duráveis e justiça. Melhor é meu fruto que o ouro, que o ouro refinado; e meus ganhos mais do que a prata escolhida. Faço andar pelo caminho da justiça, no meio das veredas do juízo. Para que faça herdar bens permanentes aos que me amam, e encher seus tesouros.” Pv 8; 18 a 21

“O cofre do banco contém apenas dinheiro. Frustrar-se-á quem pensar que nele encontrará riqueza.” C. Drummond de Andrade