A curiosidade matou o gato

Parecia apenas um dia normal, dentre tantos outros que eu havia andando pelas ruas de Brasília. Mesmo a par do crescimento da violência na cidade, mesmo com todos tendo uma história de assalto ou tentativa de assalto em mente (inclusive a mim), percebo quando caminho pelas ruas que a maioria das pessoas anda tranquilamente por elas. Inclusive eu. Andava calmo, sem pressa, sem medo, fazendo um caminho habitual. Nesse caminho, via sempre o mesmo tipo de pessoas: estudantes, domésticas e, algumas vezes, corredores armadores.

Para aqueles não familiarizados com a cidade, há “passarelas”, túneis, com partes abertas e fechadas, que cruzamos três principais eixos, “avenidas”, da cidade. Em seu primórdio, foram feitos para a segurança dos pedestres, para que não se arriscassem à ultrapassar os eixos. Porém, ao passar do tempo, as passarelas foram tomadas, principalmente ao cair da noite, por violências. Aos poucos, até seu propósito nobre de salvar vidas foi sendo perdido, já que muitas pessoas passavam pelos eixos mesmo, por medo de entrar nesses túneis. Eu, como sempre andei de dia na cidade, passava pelas passarelas, já que, iluminadas pelo sol, eu conseguia ver o final delas e ter certeza de que não havia ninguém a me oferecer perigo. Em horários de pico, a minha travessia era ocupada por mais transeuntes, o que dava-me mais segurança.

Fato é que, voltando para casa, eu teria que passar em uma dessas travessias. Era já o fim do meu trajeto e estava particularmente ansioso para chegar em casa, já que estava com muita fome. Desci as escadas que acessavam o túnel e me deparei com um grupo homens, em círculo, no meio do trajeto. Hesitei um pouco, porém, desconfiado, subi as escadas e decidi pegar uma outra passarela. Era mais longe da minha casa, a minha fome aumentaria, mas me perguntei nesse momento de hesitação se aquele grupo poderia me fazer mal ou não.

No caminho para a outra passagem, que se encontrava a menos de dois quilômetros de onde estava, fiquei pensando na curiosidade que me atingiu, e que com certeza atingiria você leitor: a curiosidade mataria o gato, ou o gato mataria a curiosidade? E, alguns passos mais a frente, pensaria como estamos perdidos nessa sociedade, prejulgando as pessoas apenas pelo que elas aparentam. Nós mesmos, muitas vezes zelando pela nossa aparência, nossa beleza, poderíamos ser alvo desse prejulgamento. E, pensando desse modo, não soa ofensivo? Usamos então de nossos instintos, submissos, para um problema que não é fácil resolver, mas que poderia ser melhor administrado pelas autoridades. Assim, podemos ofender, sem querer, uma pessoa que nada de mal faz.

Se lendo esse texto você acha que estou querendo dizer “não tenha medo, vá em frente”, não quero. Não achei que fiz errado, mas me deparei com o fato de que, mesmo não querendo, as notícias, as mortes, as lágrimas nos fazem ser grossos, preconceituosos com, pode ser, aqueles que nada fariam de mal. A curiosidade me matou, mas não fisicamente. E eu não matei-a.

Eduardo D
Enviado por Eduardo D em 15/12/2012
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