Felizidade – Flashes de Porto Seguro (4)
 
No princípio era assim – eu acreditava em Papai Noel e achava a vida maravilhosa. Depois fui trancafiada em um internato e foi como se jogassem o sapo na água.  Passei a freqüentar os congressos estudantis e pensava que aquela era minha Feliz Idade. O tempo dos Festivais de Inverno em Ouro Preto também foram tempos que eu considerei de minha Feliz Idade.Tempos bons também foram os da Ditadura, quando eu acreditava que podia mudar o mundo. Quando comecei a trabalhar e me tornei independente, que Idade Maravilhosa! Nunca fui Poliana, mas sempre fiz questão de tirar o melhor da vida e mesmo nos momentos mais tenebrosos também sempre soube que depois da tempestade vem a bonança.
 
 Agora a Feliz Idade é ter mais de 50 anos. Não acho isso nada engraçado embora tenha muitas vantagens, eu sei. Só com o tempo eu poderia evoluir como evolui. Mas com tristeza eu pensava que não ter nada para fazer e depender de grupos para encontrar alternativas não era o que eu queria para minha vida. Sempre tenho muito para fazer e não preciso que me arranjem situações para que eu possa me divertir ou me manter ocupada. Por isso nunca imaginei que aceitaria um convite para participar de um encontro da Feliz Idade. E exatamente em Porto Seguro, onde eu pensava em não mais voltar. Pois aceitei o convite e me diverti muito.
 
No dia seis de novembro acordei tarde. Quando acordei minha companheira de quarto já havia saído para uma caminhada na praia. Estava chovendo. Depois do café da manhã fui procurar o que fazer. Varias opções estavam a minha disposição. Eu poderia aprender a dançar, fazer ginástica na cadeira, hidroginástica na piscina descoberta, assistir a um ciclo de palestras. Mas andei devagar porque já tive pressa e hoje coisa que não tenho é pressa. O primeiro momento das atividades já havia começado, mas não me importei. Se houvesse lugar vago eu ficaria mesmo assim. Primeiro entrei na sala da Ginástica na Cadeira. Não avistei nenhuma cadeira vazia e um monte de gente em pé, esperando nem sei o que. Passei para a aula de dança e comecei a balançar o corpo, mas logo já era o intervalo e aí foi que fiquei de queixo caído. Era de coisas assim que eu fugia quando nunca me interessei por participar de grupos da Terceira Idade – todas as mulheres presentes queriam ser fotografadas com o professor. Eu não acharia nada demais se as poses fossem normais ou galhofeiras, mas sinceramente achei ridículas. Ele se ajoelhava em uma perna só e algumas se sentavam na outra, abraçando-o e levantando as próprias pernas. Fiquei por ali lutando contra o preconceito e achando que o intervalo nunca iria acabar. Mas acabou e a aula de dança recomeçou. Comecei a saracotear naquele agrupamento, mas logo parei, estática. Uma mulher chorava. Ela dizia para a amiga –Ela puxou meu braço e apertou. Embora eu não tivesse feito isso, logo pensei que pudesse ter feito alguma coisa e me afastei, olhando e esperando. Não, não era eu. A mulher, um tipo normal de dona de casa, loura e vestida adequadamente logo apontou para a aprontadeira: Foi ela, aquela safada ali que me machucou! Desgarrando-se dos braços da amiga que a consolava partiu para a briga, se não fosse contida, seria o maior bafafá. Depois se debruçou no ombro da amiga, chorando como uma bebezona, e sendo conduzida pela companheira, dançando, para o outro lado do salão. Não, ela não se parecia com uma pessoa com deficiência. Parecia completamente normal. Mas com essa resolvi me retirar porque a outra alternativa seria consolar a bebezona.
 
O primeiro horário estava terminando e eu entrei na longa fila para participar da Palestra/Curso. Seria um ciclo, com três palestras consecutivas, uma a cada dia. O tema, bem apropriado. Na terra do Descobrimento, o tema foi esse – descobrir-se, descobrir o outro, conviver.E por esse ciclo valeu a pena a viagem. Valeria até se fosse no fim do mundo.
 
O palestrante motivacional se chama Júlio Machado e parece ser bem conhecido embora eu nunca tivesse ouvido falar dele. Mas fui gostando do que estava vendo e ouvindo e fui ficando. Usou a história de Branca de Neve e os Sete Anões para tratar das várias máscaras que usamos no decorrer da vida. Branca de Neve o símbolo de Feminino e cada anão uma das máscaras que usamos para nos apresentar ao outro. A mulher o símbolo de Espírito que só se mostrará em sua plenitude quando conseguir se livrar das máscaras, profundamente humanas.
 
Animada com a palestra passei o resto do dia bem disposta, caminhando pela praia, visitando as barracas, curtindo a natureza e o que mais gosto na Praia – curtir a brisa que vem do mar e que renova a minha vontade de viver. Minha companheira de viagem ficou espantada. Afinal, eu, além de pacientemente bater todas as fotos que ela pedia, do jeitinho que ela queria, me deixei também fotografar. Coisa que detesto. E é preciso explicar – de outra vez que viajamos juntas, houve um momento em que assumi meu lado egóico e me recusei a bater as fotos que ela pedia.