Varal de Beijos

VARAL DE BEIJOS

Nelia Lins

Uma doce velhinha pôs a sua modesta casa á venda. E numa tarde, quando sentada na varanda SORRIA DOCEMENTE PARA O SEU IMENSO CARAMANCHÃO , surgiu como por encanto, um jovem interessado.

-Bom Dia, Sra!

-Bom dia meu rapaz?

-Esta vendendo a casa?

-Sim. Está interessado em comprá-la?

-Talvez., Podemos conversar?

-Sim, bom moço entre sente-se ao meu lado e conversemos sem pressa.

O moço sentou-se. – A Senhora mora sozinha?

- Sim e não, ao longo da nossa conversa, entenderá. Meus filhos e netos moram longe. Meu marido faleceu.

-O rapaz sentiu um leve aperto no coração, tristeza que logo passou quando percebeu nos olhos da senhora, uma paz contagiante.

-A senhora não sente solidão neste lugar tão isolado? A cidade mais próxima fica há quilômetros daqui.

A terna velhinha olhou-o em silencio, com os olhos fixos no caramanchão à sua frente: Não estou sozinha.

-Desculpe, mas não vejo ninguém por perto.

-Ela sorriu de novo – Engano seu. Todos que amo estão bem á minha frente. Vejo-os todos os dias!

O rapaz assustado julgando-a senil fez menção de levantar-se.

-Perdão Senhora. Preciso ir, Pensando bem esta casa não é bem o que procuro.

A velha Senhora olhou- no fundo dos olhos e sorriu sem nada dizer, porém, hipnotizado pela magia daquele olhar o rapaz sentou-se imediatamente.

-Perdoe, é que não estou vendo ninguém aqui além de nós dois

-Preste atenção no Caramanchão!

O rapaz deu de ombros brincando – É apenas um varal de flores, nada mais!

A velhinha sorriu gostoso

-Ah.. Os jovens nunca enxergam nada!

-Perdoe, eu deveria enxergar o que?

-Todos aqueles rostos que não tiram os olhos de você!

-Rostos?São sós flores!

(lá ia ele levantar-se de novo, porém nocauteado pelo absurdo da situação, sentou-se outra vez) – Afinal quem é a Senhora?

-Hortência, meu nome é Hortência.

-Se me permite uma observação: A Senhora tem vivido muito só, Dona Hortência e Isto não é bom. Com todo o respeito, a senhora pode estar imaginando coisas! Aquilo ali! (apontando para o caramanchão): - É só um monte de flores!

-Moço, quem já viveu muito como eu, aprendeu a enxergar as coisas com os olhos da alma você sim, está sendo iludido pelos olhos, da sua juventude! Não está como diria minha mãe, conseguindo enxergar um palmo adiante do nariz!

-A mulher puxou então a cadeira para mais perto do rapaz e apontou para uma dália branca que de tão linda e viçosa, parecia sorrir

-Está vendo? Aquela é a minha mãe!

-A sua mãe? (o rapaz riu debochando, a velhinha insistiu gravemente) – Olha bem, procura ver através das aparências – esqueça a flor que seus olhos aprenderam a ver desde criança – esqueça o formato da flor, esqueça as pétalas da flor, olhe bem! Procura enxergar a essência das coisas, moço. Vamos, aprofunda o seu olhar!

O rapaz parecia esforçar-se, porém inutilmente – Desculpe Senhora, lamento decepcioná-la, mas estou vendo apenas uma dália grande, bem maior que as outras flores, e branca, muito branca!

-Tolo!Esqueça os olhos físicos – procura enxergar com a sua alma! De repente, Profundo silêncio cai sobre os dois naquela Varanda florida. O moço então caminha devagar até a flor, fascinado permanece com os olhos fixos naquela belezura toda.

E olhando maravilhado para a velhinha, mal acreditando-nos próprios olhos, exclama:

-Eu não acredito!Esta flor parece sorrir para mim!

(O rapaz olha perplexo para a velhinha) – Inacreditáveis os poderes da nossa imaginação!

Vem aqui moço. Siga-me sem alardes vou apresentá-lo a outra pessoa. Uma pessoa extremamente tímida. Vem! Está vendo aquele cravo lilás bem na ponta do Caramanchão? (O rapaz parece acompanhá-la em transe)

Espere!Estou procurando, são tantas flores... Ah. Sim. Um cravo pequeno

-Sim, pequeno e se você olhar bem verá que está meio virado para baixo.

-Vai dizer que conhece ele também?

A velhinha suspirou – É o meu Pai! O rapaz maravilhado – Seu Pai?

A Doce Velhinha Sorridente fez desfilar diante do olhar perplexo do rapaz toda a sua família, noras, genros, netos, bisnetos... Todos sorrindo, numa eterna felicidade.

Ao final, o rapaz quedou silencioso. Muito emocionado, falou baixinho, murmurando de si para consigo:- Não consigo entender! Qualquer pessoa que conseguisse este milagre, de conviver, olhar todos os dias para os semblantes dos entes queridos que Partiram. Digo qualquer pessoa, que não tem mais ninguém...se sentiria feliz demais! Diga-me, por favor, porque deseja vender a casa?

A velhinha levantou-se vagarosamente e andando pelo caramanchão, com os olhos cheios de lágrimas respondeu.

-Exatamente por isso. Não suporto mais vê-los todos os dias e não poder estar com eles e não PODER SER COMO ELES! Vê-los são um misto de conforto, tormento, e sofrimento, misturado à saudade enorme que sinto deles todos. Não quero ficar aqui Assim... Olhando... todos os dias sem ao menos entender a linguagem das flores!..Quero falar com eles. Porque estou morrendo de solidão. Quero ir para junto deles. Venderei a casa.Depois....QUERO VIRAR FLOR!