O vendedor de bosta

Há muitos anos atrás, quando as famílias tinham ainda o hábito salutar de se reunir na sala da casa para conversarem, eu sempre ouvia os mais velhos dizerem em meio a uma conversa qualquer que, em São Paulo só passava fome quem era vagabundo, pois até merda se o cara saísse vendendo ele ganhava dinheiro para a sua sobrevivência.

E dias destes, passados quase sessenta anos, presenciei algo que veio ratificar esse chavão muito utilizado pelo pessoal de antigamente.

Vinha chegando em casa quando vi um sujeito em uma carroça, parado próximo ao portão da minha residência com algumas senhoras em volta comprando da sua mercadoria.

Perguntei ao meu primo o que o cara estava vendendo e ele respondeu na lata, sem deixar a bola cair no chão:

------ Bosta!

Fiquei parado olhando para a cara dele sem entender merda nenhuma.

------O que foi? –Perguntou ele, diante da minha incompreensão.

Não respondi nada. Alias, nem merecia resposta. Pergunto para o infeliz o que o cara tá vendendo e ele me responde que é bosta. Gozação, né meu!

------ Não tá acreditando? Dá uma olhadinha lá então!

Aproximei-me da carroça e comecei a rir. Não é que o cara estava vendendo bosta mesmo. A carroça estava de merda até o talo. Só que era bosta de vaca, mais conhecido como esterco, e a mulherada estava comprando para adubar os jardins.

Voltei até onde estava o meu primo, que a essa altura, encostado ao muro, se rachava de rir e comentei com ele:

------ Rapaz não é que o pessoal da velha guarda tinha razão. Em São Paulo só passa fome quem é vagabundo mesmo, pois até merda se o sujeito sair vendendo ele vende!

Ficamos por ali proseando por mais alguns minutos, até que o vendedor de bosta estalou o chicote e deu partida na sua carroça movida a um cavalo apenas. Virou à esquerda na próxima esquina e foi vender a sua merda na rua de cima.