A Mega da virada

Grandes filas se verificam nas agências lotéricas em todo país, pois, uma multidão pretende apostar na “Mega da virada”, que segundo a Caixa Federal, pode ultrapassar os 230 milhões em seu prêmio principal.

Nessas filas as pessoas esperam demoradamente, afirmando que, por tal soma, vale a pena; mesmo pessoas bem idosas, são vistas acalentando esse sonho.

Esse valor, caso seja ganho por um apostador apenas, representaria aproximadamente um rendimento mensal, em juros, superior a um milhão e setecentos mil reais.

Difícil explicar essa febre que atinge a maioria da espécie humana. Imaginemos alguém que jamais soube dirigir um carro, de repente, em pleno voo, seja chamado a pilotar um avião; o desastre seria inevitável. Quero dizer, um que sempre foi bem pobre, da noite para o dia, ter que administrar um montante desses.

Confesso que, embora precisando dele, o dinheiro não me fascina tanto assim. Como seria minha vida, se, de repente, me tornasse “piloto” de 230 milhões de reais?

Muitas coisas podem ser ditas no campo das hipóteses; mas, como dizia Joelmir Betting, na prática a teoria é outra. Certamente eu teria tudo o que o dinheiro pode comprar, e possivelmente perderia muitos bens que tenho sem ele, de graça.

Minha paz iria pro beleléu, dada a onda de novos “amigos” que me assediaria. Qualquer elogio ou aplauso que recebesse me soaria suspeito, como se eu o comprasse, ao invés de merecer. Minha humildade, se é que a tenho, perderia; pois, ninguém conseguiria surfar em tal “prancha”, na crista de um tsunami de grana.

Poderia contratar um guia bilíngue, que falasse mandarim, e tirar foto na muralha da China, mas onde sou conhecido teria que me cercar de seguranças; carros blindados, temeria assaltos, sequestros, meu sono não seria o mesmo.

Poderia fazer grandes doações aos pobres de meu bairro, eu seria como um deus aos olhos deles, mas, a possibilidade de alimentar toda sorte de desejos e vícios, me levaria a fazer o diabo, onde a maioria não visse.

Poderia comprar uma editora para publicar o que escrevo, mas, dinheiro algum varreria de mim a suspeita que só estaria sendo publicado por comprar, não por que meus textos valessem a pena.

Quando a saúde fraquejasse, poderia ter os melhores médicos exclusivos, mas, mesmo isso, não bastaria para me restabelecer; dependeria ainda de Deus, como hoje, mas, com agravante que estaria Dele distanciado, pois, a arrogância da riqueza me impediria de obedecer e orar.

Quando um ímpio beneficiado por minhas “bênçãos” morresse por causa das drogas que comprou com meu dinheiro, a culpa seria um aguilhão. Sempre que os jornais mostrassem o retrato da pobreza, eu me sentiria um tanto pesaroso, pois, poderia fazer algo para amenizar, mas temendo empobrecer não faria...

Isso em tese, pois, na prática, geralmente as coisas são ainda piores. Todos sonhadores dizem, quando entrevistados, que se ganhassem aquilo tudo ajudariam a muitos e só fariam o bem; mentem a si mesmos por desconhecerem a natureza humana.

Quando se padece privações, o suprimento delas nos basta para viver; quando nada nos falta, achamos que a vida nos deve o prazer; se, o que era inatingível se torna comum, deixa de ser um sonho, e passa a ser sem graça.

Nessa fome insaciável se vai da promiscuidade às drogas; de repente, o “novo rico” se descobre um Teseu no labirinto, sem o fio de Ariadne, que mostra como achar a saída. Portanto, com todo respeito aos que acham que por isso vale a pena padecer horas na fila e ainda pagar para apostar, não apostaria, mesmo que trouxessem o volante em minha casa e fosse grátis.

Parece engraçada a réplica à frase que o dinheiro não traz felicidade, mas, manda comprar; todavia, a felicidade é um estado de espírito, não um estado de sítio, por um pelotão de hipócritas e bajuladores, como se verificaria em tais casos.

Como sou partidário da frase que, “Rico não é que possui mais, mas, quem precisa menos para viver, essas imensas filas não mostram outra coisa senão, o quão pobres, as pessoas são.

Vale mais um tijolo, assentado, fruto de nossa conquista, que um Titanic herdado, do qual não merecemos um parafuso.

“Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição.” Mahatma Ghandi