E O MUNDO NÃO ACABOU...

Na semana que passou eu não escrevi. Também, pra quê? O mundo ia acabar mesmo! Assim, eu nem me importei quando a quarta-feira chegou e eu tinha até a noite para enviar o meu texto para a redação do jornal Gazeta do Oeste (Mossoró/RN). Na verdade, nem dei satisfação ao editor do caderno Expressão. Achei melhor não dizer nada.

Em compensação, a minha cabeça começou a bolar o que eu poderia fazer na sexta, da meia-noite até o dia amanhecer. Bem, a primeira coisa que me veio à mente foi botar em dia os assuntos amorosos. Mas depois eu pensei: já não estou com essa bola toda para poder “pôr em dia” o que o tempo tratou de colocar como “déficit” na conta do “rala e rola”. No mínimo, eu ia morrer antes da hora e, portanto, não ter o prazer de ver, ao vivo, o mundo se acabar. Então, eu optei por deixar essa parte para depois (uma prática muito comum a todos aqueles que já passaram dos... deixa pra lá!) e passei a pensar no que eu podia fazer para substituir o que é, na vida de cada ser humano, a melhor coisa do mundo. Pelo menos, neste sentido, pobre e rico, preto ou branco, feio ou bonito, todos têm o mesmo direito e prazer.

Destarte, eu me lembrei que, se o mundo não acabasse, eu, no dia 31 de dezembro, faria seis anos que tinha deixado de fumar e, de certa forma, beber. Mas, confesso, ainda trago comigo o vício nas minhas entranhas. Aí eu pensei: já que vai acabar mesmo, eu vou comprar um maço de cigarros, um litro de uísque, pegar um livro na estante – um que seja bem volumoso –, sentar-me em uma espreguiçadeira e unir o útil ao agradável. Ou seja: já que o mundo vai acabar mesmo, do câncer e da cirrose eu estou livre; por isso, tragos e tragos não vão manchar o meu pulmão e nem tampouco causar danos ao meu fígado.

Mas depois eu pensei melhor e vi que não era a melhor opção. Um litro de uísque iria me deixar mais bêbado do que gambá e, provavelmente, eu iria “capotar” antes de o sol nascer e, com isso, também perder o espetáculo do fim do mundo. E ainda havia o “chamego” que, mesmo não tendo “gás” para a noite toda, pelo menos, faltando uns quinze minutos para o término de tudo, eu ainda poderia “comparecer” e fazer um “agrado” e, com isso, sair por cima da “carne seca”. Dizem que o que conta é sempre a última. Se caprichada, então! – embora o tempo destinado não fosse lá essas coisas... É... eu pensei: realmente, bebida e cigarro não combinam com o fim do mundo.

E já que o que eu mais estava fazendo era pensar em como aproveitar os últimos instantes do mundo, eu me voltei para os amigos. Sim, já tinha a solução: eu iria ligar para cada um e agradecer pela amizade e pelo carinho desses anos todos. Iria pedir desculpas pelas vezes em que fui grosseiro e os maltratei com minhas neuroses e manias. Essa era, de fato, uma boa opção de esperar para ver chegar o fim do mundo. Porém, eu fiquei, mais tarde, em dúvida: será que seria uma boa opção? Se um desses amigos me alugasse e fosse se confessar para mim? Eu, no mínimo, iria saber de muita coisa que poderia me servir, mais tarde, de boas fofocas, mas, também, iria me tirar a chance de me redimir perante o restante dos meus outros amigos. Definitivamente, não era uma boa opção. Mesmo porque, onde era que eu iria contar essas fofocas?

Só então foi que me veio na mente a minha família. Meu Deus, como nós esquecemos das pessoas que nos são mais caras! Sim, a melhor coisa a fazer era passar os últimos instantes de vida na Terra ao lado de quem sempre nos serviu de exemplo e alicerce. Pronto, estava resolvido. Iria, ao invés de falar com os meus amigos, falar com os meus parentes mais chegados que estivessem longe de onde moro. Aos amigos – que não são muitos –, um e-mail para cada um deles dizendo sobre o quanto eles representam para mim, com certeza, iria bastar.

A minha família, aquela que constituí como homem, eu os quero do meu lado. Neste laço, a minha mãe – que aos oitenta anos mora sozinha e é dona do seu nariz e com uma saúde de ferro! – para poder dizer-lhe muito obrigado, pelo menos uma vez na vida. Aos meus filhos, o prazer de tê-los visto crescer, levar suas topadas, levantar-se e correr atrás dos seus objetivos. E abraçá-los seria o meu ato mais sublime, pois, nele, estaria pedindo que eles me perdoassem as vezes em que fui intransigente e mau exemplo de pai. Por fim, a minha companheira. Para ela eu reservaria a última hora. Acho que pegaria em sua mão e agradeceria por ter acreditado em mim quando mais ninguém acreditava. Ah! Com ela, com certeza, os últimos quinze minutos estariam garantidos...

Mas o mundo não acabou, graças a Deus. Então, vou ter oportunidade, sem pressa, de botar os assuntos em dia com a patroa, ligar para os amigos e me desculpar pelas besteiras (e, com certeza, ouvir, de algum deles, uma “bomba” e depois contar para os outros amigos), falar com meus parentes mais distantes e passar na casa da minha mãe e, pelo menos, pedir a sua benção.

E, por fim, escrever mais um ano, se Deus quiser, para o jornal Gazeta do Oeste e, também, claro, para o Recanto das letras.



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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 30/12/2012
Reeditado em 14/05/2019
Código do texto: T4060101
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