A comadre

Dona Antônia era conhecida por comadre Totonha no vilarejo de Boca da mata e arredores. Afilhado mesmo nunca teve nenhum, mas por ela frequentar as casas das futuras mamães antes, e depois do parto e andar sempre com os bolsos abarrotados de balas para distribuir as crianças que dela se aproximavam, recebeu o apelido de comadre Totonha. Ela viveu durante anos sozinha em um velho casarão. Herança de uma tia que ninguém chegou a conhecer. Não frequentava a igreja, bares e nem praças. Comadre Totonha era alta, muito magra, de riso fácil, mas de nenhuma palavra. Dava até nervoso vê-la quieta nos cantos sorrindo de tudo e para todos. Certa vez em um velório, um senhor gritou e a expulsou porta afora. O homem ficou irritado porque enquanto todos choravam, comadre Totonha ria abertamente sem disfarçar. Convite para festas nunca recebeu, porém era bem recebida quando chegava apoiada no velho guarda chuva, vestida com seu desbotado vestido xadrez. Era uma penetra esperada. Durante horas ela passava sentada observando as comemorações, beliscando os petiscos oferecidos e sorrindo incansavelmente. Assim como chegava, ela partia. Discretamente. Ninguém sabia de onde era e do que vivia. Certa manhã a pequena cidade se surpreendeu ao avistar viaturas policiais na frente da casa de comadre Totonha. Enquanto ainda tentavam entender oque acontecia, viram dois policiais empurrando algemada a moradora. Nesse dia Totonha não sorria, olhava tristemente aquelas pessoas que durante muito tempo foram seus vizinhos, e que sequer esboçaram uma reação em sua defesa. Antônio que era mudo e há vários anos fugira de um manicômio acusado injustamente de ter assassinado duas crianças, e que viera para Boca da mata para se esconder, e viver o resto dos anos que lhe restava em paz se decepcionou mais uma vez com o descaso daquela população que sequer sabia qual era o seu sexo, e que agora assistia impassível à partida de alguém que para ser aceito doou a única coisa que tinha de seu: O sorriso.