O Trote

-Alô! Quer falar com quem?

-Com o viado do Márcio!

-Quem ta falando?

- É o Márcio que está falando?0

-Quem ta falando?

-Sou eu, seu macho, o Paulo.

-Fala seu baitola! O que manda?

-To indo pra São Paulo por esses dias, só to ligando pra me despedir.

-Vai dar por lá, é?

- Não não!! Hahaha... To indo pra começar uma quimioterapia!

- Que eu saiba cachaça dá cirrose e não câncer, seu palhaço. É sério mano.. o que você vai aprontar por lá?

- É sério, carai! To indo pra começar a quimioterapia. Estou com câncer e se eu correr o médico disse que tenho mais de 80% de chance.

Marcio ficou mudo do outro lado. Ele não podia acreditar no que estava ouvindo. Ele e Paulo cresceram juntos. Eram os melhores amigos... Os olhos marejaram... Tossiu pra tentar se livrar do pigarro que se acumulou na garganta...

- Marcio, você ainda está aí?

-To aqui... mas é que é algo que eu não esperava mesmo. Como eu posso ajudar você? Você vai ficar bem por lá, cara? Precisa que eu vá junto?

Paulo pensou um pouco... O Márcio era seu grande amigo. Um cara dedicado, que casou cedo e soube manter a família. Na verdade o Márcio é o tipo de cara que você sempre vai ter uma certa invejinha dele, justamente pela disposição que ele sempre apresenta quando o assunto é seus amigos.

- Não, não, Márcio!! Hahahaha... É brincadeira, porra! Como você pôde cair em uma de minhas histórias?

Márcio respirou aliviado.

- Você ta doido, seu viado?! E eu aqui preocupado contigo! Ahahahaha... - Disse Márcio, conseguindo achar engraçado o fato de ter caído outra vez em um dos famosos trotes que o Paulo sempre pregava nele.

- Te peguei, hein?! Bom eu já vou nessa. Vou ficar uns dias fora, mas logo estarei por aí. Abraço, maluco!

-Outro pra você, fera. Vê se te cuida, hein?!

Paulo desligou o telefone. Ele estava num orelhão já na rodoviária. Dentro de alguns minutos pegaria o ônibus para São Paulo. Sorriu, pensando em seus amigos. Lembrava dos bons momentos em sua juventude. As altas horas da madrugada nas ruas. Os micos coletivos pagos em grande estilo. Sua juventude foi legal. E ele devia muitas das diversões ao Márcio. Sentou-se para esperar o ônibus. Abriu sua mochila, conferiu a passagem, os documentos. Estava tudo certo. Pegou a guia de encaminhamento para a quimioterapia, encarou-a por alguns segundos. Ele já tinha lido aquilo mais de mil vezes desde que foi diagnosticado. O ônibus encostara na plataforma. Levantou-se, pegou a passagem, guardou a guia de encaminhamento na mochila e foi em direção ao ônibus. "Seja o que Deus quiser... Seja o que Deus quiser...".

Ele estava com medo. Ele estava sozinho.

Elizaphe

24-02-2011