A casa grande ( Claude Bloc)


 
Voltei à casa grande. A pouca luz interior de um fim de tarde dava-me a sensação de nunca ter saído dali.
 
Ainda na estrada sentia-me livre e com uma alegria inexplicável. Como uma criança que volta pra casa. Mas a casa, minha casa de infância, a cada vez que chego, ela me emociona e sempre que a vejo ali quieta, fica me fazendo perguntas que não sei responder. Aliás, tudo ali me faz sentir uma grande saudade e nenhum remédio poderia curar a falta que muita gente que circulou por essa casa me faz.
 
Dessa vez, subi os degraus do alpendre, um a um, bem devagar. Ao atingir o batente da porta fechei os olhos. Tateei a porta sentindo-me pequena. Segui de olhos quase fechados caminhando casa adentro. As paredes me diziam coisas que eu ia traduzindo aos poucos, passo a passo. Carinho, lembranças, histórias. Não achei quase nada de outras épocas pelos poucos móveis ali dispostos. As louças de minha mãe devem estar dispersas por aí, sabe-se lá nas mãos de quem. Há muita gente das redondezas que apostou que a casa ficaria abandonada depois da partida de minha mãe e foi entrando, e se apossando das coisas até não ficar quase nada. Só mesmo lembranças por entre a gente.
 
No canto do quarto de Mamy (minha avó) encontrei um pedaço do que foi meu guarda-roupa, sem mais gavetões, nem puxadores. Nada de envelopes quadrados, postais, letras de músicas, caligrafias de aparo - ouros raros – lá dentro. Há quanto tempo não escrevo uma carta? Perdi até o jeito...

Lembrei-me dos dias e das noites em que mamãe pacientemente tentava espantar meus medos noturnos. E do dia em que, eu esqueci as roupas no suporte da banheira, onde a água, gota a gota deslizava sorrateira empapando tudo, manchando a bela estampa florida que eu adorava, à medida em que a água perdia densidade com o calor do dia. Coisas de menina sonhadora, desligada, simples... Coisas de um tempo que não esqueço.

Na sala da frente, ainda obscura, a luz do quarto se refletia sobre as duas almofadas cor de vinho. Postei-me lá quase imóvel, de lábios entreabertos, respiração forçada, esperando pelo cheiro da noite nesse lugar de mil silêncios.

Por que não escreveste um livro sobre a casa? Pergunto a mim mesma: essa alma sem asas, em arco, em queda... E não acho resposta. Apenas uma música que se denuncia – uma valsa longa e longínqua nas margens noturnas do açude.
 
No céu da madrugada chega a poesia, miríades, e, sob as pálpebras, a vontade de ficar ali.
 
Claude Bloc