O sino da igreja

Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. É bom que cante baixo, ou alguém reclamará. Pois se não é pra pensar assim! Imaginem que existe uma igreja, igual a todas as igrejas, e que ela tem um sino, igual a todos os sinos – pessoalmente, jamais vi um sino de igreja, mas imagino que sejam muito parecidos entre si. E imaginem também que, não sabendo fazer outra coisa, só resta ao sino badalar. Faz parte da ordem natural das coisas que exista uma igreja com um sino e que ele badale. Agora imaginem como pode ser chato um sino badalando.

Tão chato que alguém resolveu escrever uma carta ao jornal, reclamando daquele barulho infernal – com o perdão da expressão. Queixava-se o sujeito do excessivo número de vezes que o sino da igreja se põe a tocar. Conheço o sino que ele fala. Se são quatro horas da tarde, ele irá tocar quatro vezes, uma atrás da outra. Depois de quinze minutos, voltará a tocar, uma única vez. Baterá ainda a meia-hora e os três quartos de hora. E continuará fazendo isso religiosamente, na hora seguinte e por toda a eternidade – tal é a missão do sino.

Imagino que o homem que se queixa more perto da igreja, e que o escute tocando justamente nos horários em que queria descansar e não ouvir barulho algum. Esqueci de falar que aquele sino em especial, sendo fervorosamente católico, se põe a tocar desesperadamente às seis horas da tarde, a hora do Angelus, o momento da Anunciação do Cristo. Talvez também toque às seis horas da manhã, não sei dizer, o que provavelmente causa o aborrecimento de alguns pobres cachorros que se queixam como podem – uivando. E de senhores de família que se queixam mandando cartas ao jornal.

No lugar onde minha mãe nasceu, existe um sino que trabalha ainda mais. Se durante o dia ele começa a tocar de forma insistente, é um claro sinal de que alguém morreu. E as pessoas então se lembram de alguma pessoa que estava doente nos últimos dias, e se perguntam se é por ela que o sino dobra. Mas na minha terra, o sino já não toca nessas ocasiões. A cidade cresceu tanto, e começou a morrer tanta gente que o sino teria que passar o dia inteiro anunciando funerais – coisa que a vizinhança também não aprovaria.

Também hoje, o sino deixou de regular as nossas horas. Ele badala porque quer. Ninguém aguarda o seu sinal para saber que horas são. Há alguns mais antigos que acertam os seus relógios de pulso com o relógio da igreja – que, em geral, está sempre atrasado. Aquele relógio, eu conheço a história. É alemão, foi construído em 1925. Um senhor da cidade doou um conto de réis para que fosse comprado. Quando a igreja foi demolida para dar lugar a uma mais nova, ele foi junto. Possui marcadores em todos os quatro lados, e quando anoitece ele ainda pode ser observado à distância, graças a um sistema de iluminação interna. Se ninguém observa, não é por omissão dele.

Tem o relógio a doce vantagem de ser mudo. Da minha janela, não ouço qualquer sino, não vejo qualquer igreja. Não há, mesmo, nada digno de ser visto nem ouvido. E então eu pego novamente o jornal, que é coisa que sempre tem o barulho de que preciso.

Curitiba, 25.10.2009

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 09/01/2013
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