O Legionário

Desde que ganhou seu iPod, no mês passado, Tarcísio começou a agir de forma diferente. E isso seus pais, o Sr. Herbert e a Dona Paula já haviam notado.

Tarcísio ficava lá, sempre no canto da sala, ou da cozinha ou do quarto – sim, ele sempre ficava no canto de algum lugar – com os fones atolados nos ouvidos, calado, respondia sempre sinalizando com a cabeça ou com palavras monossilabas.

Havia uma certa preocupação de seus pais, medo do garoto estar se envolvendo com drogas ou más companhias. Dona Paula chegou até mesmo a ligar no colégio do filho, para saber de seu comportamento e de suas notas, e ficou aliviada quando soube que “seu filho é um menino exemplar, e que não há o que dizer dele” - segundo a professora.

Todas as noites a família Viana (Herbert, Paula e Tarcísio) se reunia na frente da TV, Tarcísio sempre com seu iPod, no canto da sala.

-Filho, por curiosidade, o que você tanto ouve no seu mp3?-perguntou Herbert, tentando puxar assunto com seu filho adolescente.

-Acho que você não conhece não pai! Estou ouvindo Legião Urbana, a melhor banda do mundo!- Respondeu o filho eloquentemente, causando espanto em seu pai.

O pai olhou para a esposa com um sorriso debochado nos lábios, piscou com o olho esquerdo e novamente votou-se para o filho:

-Eu não conheço não, Tarso, mas já ouvi falar. Depois você me passa as músicas deles? - perguntou o pai, animado por ter encontrado assunto para falar com seu filho.

-Claro, pai! Não sei se o senhor vai gostar, mas a música é muito boa. Meu professor de Literatura que me passou. Ele disse que as letras do Renato, o vocalista do Legião, são muito poéticas e profundas – explicava o filho em tom professoral.

O pai admirou-se de Tarcísio. Não esperava que ele se interessasse por Legião Urbana e muito menos por poesia, mas de certa forma ficou orgulhoso, “esse menino está crescendo”, pensou esboçando um sorriso quase imperceptível.

- E tem mais ainda pai: sabe aqueles oitenta reais que o senhor me deu? Eu comprei uma entrada para o show do Legião Urbana, no Pacaembu, sábado.

Era como se o mundo tivesse parado. O sr. Herbert não sabia se ria ou se chorava. Olhou para Paula que fazia uma cara que dizia “se você não contar eu conto”.

-Que legal, filhão! Olha, vá dormir, que amanhã você acordará cedo. Ah, e compre outro ingresso pra levar seu primo Alex com você, está bem?

-Tudo bem pai! Mas não sei se o Alex entenderá as letras das músicas do Legião. O Alex é meio burro...

Tarcísio se levantou e foi dormir contente por seu pai não ter barrado a sua diversão no fim de semana, quando ele iria ao show da maior banda do mundo.

Herbert e Paula permaneceram na sala.

-Seu filho está sendo vítima de algum espertalhão que vende ingressos falsos de shows que nunca existirão e você não vai fazer nada, Herbert?- Perguntou Paula, cuidando para não falar muito alto, mas sem perder o tom de discussão.

-Escute, Paula: O nosso filho é um banana superprotegido. Ele não sabe nem ir a uma padaria comprar pão e está se achando homem o suficiente para ir a um show de rock, comprando um ingresso com o dinheiro que era para ele comprar o tênis que ele tanto pedia. Comprou sem ao menos perguntar se poderia ir. Então acredito que ele precise de uma lição. Ele e o Alex, aquela outra ameba - respondeu Herbert, frio e calculista.

***

No sábado Tarcísio estava animado. Acordou cedinho para ir a casa de seu primo Alex, afim de combinar as estrepolias que aprontariam durante o show.

A noite, depois que as crianças foram para o suposto show, Herbert assistia TV com sua esposa, aguardando ansiosamente a chegada dos garotos. E não demorou muito para chegarem.

Alex ficou na porta, sem entrar na casa, já Tarcísio entrou aos prantos, procurando um abraço de sua mãe. Paula ficou assustada com o que poderia ter acontecido:

- O que houve Tarcísio? Por que você está chorando?

-Não teve show mãe, o Renato Russo morreu! - Respondeu o adolescente, com voz embargada de choro e tristeza.

Herbert ria no sofá, lembrando que o Renato Russo morreu no mesmo dia que Paula descobriu que estava grávida do Tarcísio, há mais de quinze anos atrás. “Que menino burro, meu deus! Que menino burro”, pensou.

Eli Prates