A CHICA DO BASTIÃO

- Foi numa festa de São João que eu fui noiva do Bastião.

Noiva de mentira. Era só brincadeira, mas me apaixonei.

Vejam só que besteira!

O Bastião era um rapagão.

Falava bonito que nem capitão.

Tocava sanfona e também violão.

Ai, garoto malvado do meu coração!

Esta é uma música que ouvia minha mãe cantar na época em que se aproximavam as festas juninas. A história narrada na letra me faz lembrar também Dona Francisca, uma senhora idosa que morava sozinha, numa casa pequena, de janelas azuis, à beira da estrada que levava a um riacho que cortava a fazenda do Seu Antônio.

Todos da minha cidade conheciam Dona Francisca, pois ela era uma mulher de idade avançada e com fama de santa e que teve um companheiro e uma linda história de amor.

Contam os mais velhos que presenciaram o início da história de Dona Francisca que ela era uma moça muito faceira, digna dos olhares desejosos dos homens da cidade. Todos a chamavam de Chiquinha devido ao penteado que usava e o nome que tinha. Como Chica era bonita! Cabelos loiros, olhos grandes e azuis e boca carnuda. Até as mulheres a olhavam com admiração. Menina séria, de família, diziam. Não levantava os olhos quando estava próxima de outras pessoas, principalmente de homens em idade casadoira.

Francisca já tinha sido prometida para o filho de um fazendeiro e os negócios feitos pelo pai ela nunca questionava. Naquela época, estar prometida em casamento para alguém era estar segura na vida. Teria um marido e filhos. Ela seria mãe e dona de casa um dia. Era o destino das mulheres. Como era de uma família pobre, o negócio feito para se casar seria uma maneira de diminuir a quantidade de gente em casa para alimentar e, em contra partida, um alívio para os pais que entregavam a filha para alguém que podia sustentá-la.

Com isso, Francisca se conformou até seus quinze anos, quando, na festa de Santo Antônio, conheceu um rapaz alto, bonito, um rapagão! Durante a dança da quadrilha, em meio a fogos de artifícios e ao calor da fogueira, aqueles corações se encontraram para iniciar uma história de amor. Aquele dia mudou a trajetória da menina que tudo aceitava sem questionar. Aquele sentimento que surgiu durante uma brincadeira típica das festas juninas tirou o sossego dos pais que já haviam dado a palavra de honra ao dono da fazenda vizinha.

Aproximava-se a data do casório de Francisca com o tal filho do fazendeiro Antônio. O coração dela sangrava e os olhos choravam quando se lembrava do rosto do seu amado que teria que esquecer devido às circunstâncias. Pouco sabia sobre o futuro noivo, muito menos o conhecia pessoalmente. Isso a aterrorizava todas as noites, quando colocava a cabeça no travesseiro e começava a imaginar quem seria seu pretendente. Ora imaginava um homem muito mais velho, barrigudo e com um enorme bigode; ora imaginava um rapaz franzino e narigudo, sem nenhum atrativo. Na verdade, Francisca criava em sua mente tudo o que era pior. Tinha vezes que tentava pensar numa maneira de fugir e deixar para trás aquela história de casamento arranjado, mas, como boa filha, imaginava também as consequências do seu ato e o sofrimento e a vergonha dos pais que tanto amava.

A história de Francisca seria bastante surpreendente e até um tanto fantástica se não fossem os próprios conhecidos dela que a contavam sempre que ela passava sozinha, pelas ruas estreitas da cidade, em direção à casa de janelas azuis, à beira da estrada.

O casório de Francisca se aproximava e seria no dia de São João. Até lá, foram noites mal dormidas, pesadelos e choro abafado pelo travesseiro de penas. A menina nem mais comia direito e andava curvada, como se o mundo estivesse pesando em suas costas. Quem seria o noivo? Por que nunca lhe foi apresentado? Por que tantos mistérios em torno da identidade dele? Tudo era confuso e questionável. Parecia que os dias a empurravam para um destino incerto e infeliz.

Francisca tinha apenas quinze anos quando se vestiu de noiva para se casar de verdade com um desconhecido. Se não fosse seu coração apaixonado pelo rapagão com quem dançara, estaria indo para aquele casamento com a mesma segurança das mulheres submissas da época. Mas não. Seu coração batia por um homem que vira por uma única vez, na festa de Santo Antônio. Seu corpo, no entanto, caminhava rumo ao altar, onde encontraria seu futuro companheiro.

E assim foi. A porta da igreja se abriu. A música tocou alto, anunciando a chegada da noiva. Parentes e amigos olharam para trás, levantaram-se e acompanharam os passos lentos e difíceis de Francisca em direção ao noivo que a esperava no altar. Ao entrar, o nervosismo e a vergonha fizeram os olhos azuis de Francisca permanecerem olhando o tapete vermelho que se estendia pelo corredor central.

Aqueles poucos minutos foram eternos. Agora era para acontecer. Dos olhos de Francisca, lágrimas. Porém, ao levantar o rosto para enfrentar os olhares dos convidados, em frente ao altar, a noiva prometida vislumbrou com a figura de seu amado. A vontade de acelerar o passo foi contida pela sensação de estar sonhando. Forçou a visão para ter certeza e comprovava o que o coração em saltos lhe dizia: o noivo era Sebastião que a conquistara no dia de Santo Antônio e com quem se casaria no dia de São João. Foi um momento sublime! E a alegria daquele dia se estendeu por toda uma vida de companheirismo e amor.

Francisca e Sebastião formavam um casal lindo de se ver. Abençoado pelos santos casamenteiros do mês de junho. Felicidade que durou 45 anos, até o dia em que Bastião partiu e deixou Chica na casinha branca, de janelas azuis, à beira da estrada da fazenda do seu Antônio. Hoje, ela ainda espera o dia do reencontro com seu grande amor. Quem sabe numa noite estrelada e fria de São João. Quem sabe...

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 10/01/2013
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T4077724
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