AQUÁRIO ATRÁS DE AQUÁRIO

Dois aquários, um ao lado do outro. No da esquerda peixes - dos quais não fazia ideia os nomes - viviam felizes suas existências. No da direita, a novela das sete. A semelhança entre os dois era pouca. Talvez única. Tanto em um quanto noutro, eu não fazia ideia os nomes de ninguém.

Como se correr na esteira já não fosse uma atividade entediante o suficiente, eles colocaram na minha frente dois aquários, que só dividiam espaço com a atendente da academia que hora ou outra parava suas atividades para explicar a algum curioso os preços, horários, modalidades e etc.

Aquele oceano de opções que me fora disponibilizado durante os trinta minutos de corrida a lugar nenhum me fez optar pelo mais interessante: o aquário. Por meia hora observei-os, subindo e descendo, fuçando atrás de arbustos, explorando cada milímetro de seu mundo. As rações que eram colocadas na superfície logo desapareciam, quase sempre vítimas da voracidade das carpas (se não eram carpas, eram alguma outra coisa muitíssimo parecida com as tatuagens) mais fortes. Os pequenos de vez em quando tinham sorte, e saboreavam um ou outro pedaço, sempre o suficiente para os fazerem descer - fato que não acontecia com as carpas tatuagens.

Além das carpas, havia outras espécies. Havia peixes pretos, magrelos e de olhos esbugalhados, características que tornavam impossível não os comparar a stand-up comedies estadunidenses. Os menorezinhos eram iguais, fisionomicamente, às carpas tatuadas gigantes, porém, justamente por serem os menorezinhos, eram as maiores vítimas do apetite implacável dos primos grandes, tatuados e maus. O habitat proporcionava a todos - dessa vez talvez mais aos menorezinhos, uma vez que não havia buraco onde eles não entrassem - algumas opções de distração: um rochedo à esquerda era palco de "pique esconde" e "polícia e ladrão" e no centro do aquário mais algumas pedras e algas garantiam a sesta, o conforto e, às vezes, aquele estranho sentimento de "ok, já é suficiente", gerado pelo movimento que faziam as plantas ao serem tocadas pelas caudas, e que estranhamente alegrava os coraçõezinhos daqueles que se distraiam com o fato, e que podiam, mesmo que por uma fração de segundo, esquecer que aquele oceano gigantesco do lado de fora, cheio de criaturas bípedes, sem escamas, sem caudas nem agilidade, porém livres e que vez ou outra enfiavam a mão no seu mundinho e levavam consigo algum peixe sortudo para seu mundo perfeito, pertencia somente a uns poucos, em sua maioria às maiores e mais fortes carpas, que com mais frequência eram as sortudas levadas e, justamente por isso, deram-se o direito de mais comida e espaço. Havia algo impossível de se explicar, que os olhos não podiam ver e que os impedia de ir lá desfrutar o infinito.

Além dos peixinhos, das tatuagens e dos estadunidenses, havia um peixe em especial cuja presença ainda não tinha notado. Não tinha notado porque ele estava imóvel, de repouso em uma pedra, de maneira que eu já não sabia se ele se camuflara ou se os anos que passou imóvel, na pedra, acabaram por torná-lo parte da própria. Seu silêncio, sua paralisia voluntária, sua falta de apreço pelos peixes em volta, não demonstravam leseira. Sem dúvida ele não era um doente. Era uma criatura tacirturna, envolvida em sua ensimesmice. Não demonstrava sequer o menor interesse em desenvolver uma ideia ou criar algo novo, o que excluía a hipótese de estar concentrado em um plano. Era apenas uma vítima da verdade. Alguém para quem o conhecimento em excesso trouxe todo o resto que vem com ele. Alguém que abrira os olhos e se arrependera em seguida. Alguém que contemplava o mundo lá fora como todos os demais, mas, diferente deles, já havia há muito desistido de sair, pois para ele o vidro não era mais transparente, e a atmosfera lá fora era tão hostil quanto quem os colocara naquele pequeno inferno disfarçado. Ele conhecia um rio de verdade, e sabia que ninguém em volta dele aceitaria, caso pudesse escolher, sair do aquário para experimentar o perigo intenso que é ser livre - mas livre mesmo, no rio e ao lado de peixes –, com todos os desafios e abdicações necessárias em prol da real liberdade. Ele sabia que tudo o que eles precisavam era da limitação invisível, que às vezes ficava embaçada pelo limpa-vidros, da falsa ilusão de que o que havia por detrás dela era o mundo perfeito para onde conseguiam ir alguns cujas mãos humanas quentes e aconchegantes retiravam do aquário de tempos em tempos, e, acima de tudo, de que todos buscavam a liberdade, mas buscavam somente por saberem que sempre existiria um vidro servindo-lhes de desculpa por jamais a terem alcançado de fato.

Juliano Guillen Pupo
Enviado por Juliano Guillen Pupo em 11/01/2013
Reeditado em 11/01/2013
Código do texto: T4078457
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