O meu Canadá

Às vezes eu esqueço a exata dimensão do que o Canadá significa para mim. A rotina, o ritmo normal da vida, toma conta e quase não dá tempo de parar e olhar em volta para ver, com os olhos bem abertos, os detalhes de tudo o que mudou na minha vida desde que cheguei aqui. A riqueza de cada coisinha que conquistei.

O Canadá foi a primeira carimbada no meu primeiro passaporte. Vir até aqui foi a primeira grande fronteira que atravessei. A isso se seguiram os três meses mais incríveis da minha história, o Verão mais vivo que experimentei.

Ainda que escape da minha memória a importância disso tudo, sempre vem aquele dia de nostalgia quando insistimos em falar do passado ou decidimos revivê-lo com fotos. Tenho mais de mil imagens colecionadas, momentos congelados para registrar meu riso, minha aura de liberdade, minha total e absoluta felicidade.

Em três meses, cada dia foi uma mini-aventura. Eu me alimentei de piqueniques no parque, fazendo a unha e fofocando com as amigas no quintal da nossa casa alugada, visitando novas cidades, degustando delícias, caminhando em museus, castelos, casinos e universidades. Fotografando até os mais absurdamente simples detalhes.

Foi no Canadá que comi a panqueca dos meus sonhos; que finalmente descobri porque as pessoas nos filmes usam casacos quando estão na praia ensolarada; que experimentei carne de canguru e assei marshmallow na fogueira. Foi aqui que fiquei rindo como criança só por ter visto um ônibus escolar; e adotei um estilo de vida em que é normal e aconselhável deitar na grama só para relaxar e admirar o céu.

No meu primeiro Verão torontoniano aprendi como ser feliz mesmo compartilhando uma cama de casal com mais duas amigas e contando moedinha ao final de cada dia para não estourar o orçamento. Tive a certeza de que anos e anos no curso de inglês ajudam, mas que tem vocabulário que só é ensinado quando cometemos erros grotescos tentando nos comunicar com o outro.

Foi um canadense que finalmente arrancou de mim um “Eu te amo”. E quando meu Verão foi se convertendo em outras estações, foi ele o primeiro corajoso a pedir “Casa comigo!” e aguentar a montanha russa que é morar junto.

Nessa transição, o Canadá se tornou o primeiro lugar em que vi as árvores mudarem do cor no Outono e o mundo se converter em um tapete de neve de um dia para o outro. Também aqui foi quando precisei começar do zero, dar mil passos para trás só para mudar de rumo e andar para frente de novo.

Expandi meu currículo com tanta experiência louca, passei por cada desafio inimaginável, que virei mais humana. Até aquela rebeldia que gritava dentro de mim ficou calma. Mudei detalhe por detalhe, pouco a pouco, sofrendo uma metamorfose mais intensa em dois anos do que em todas as minhas décadas anteriores.

O Canadá me transformou à base de porradas e sorrisos. É por isso que quem me viu ontem e me vê hoje sempre diz que sou outra... e sou melhor.