Homem com H

Naquela noite, sozinho, ele pensava.

Sempre fora considerado o machão, como se diz por aí. Nunca se permitiu demonstrar emoções. Não, nem pensar.

Foi-lhe ensinado que isto era para os fracos. E ele foi ensinado a ser forte. Homem, com H maiúsculo mesmo, não chora, não se entrega às emoções.

Lembrou ao entrar na escola, pela primeira vez. Inseguro, teve vontade de voltar correndo para os braços da mãe.

Mas, não o fez. Em casa, escondeu também o quanto se sentiu sozinho.

Os anos passaram.

Acontecimentos bons, ruins, foram se somando, como na vida de todo mundo.

“Este menino é macho mesmo”!

Era o que ouvia entre amigos e família.

Muitas vezes, somente o travesseiro recebeu as lágrimas de frustração, mágoa e também alegria.

Era do jeito que lhe ensinaram ser.

Outras tantas o peito doeu. Envergonhou-se ao sentir inveja (inconfessável até para o melhor amigo), das irmãs. Elas podiam ser emotivas e, portanto, femininas.

Ele não! Homem não chora.

A vida seguiu. Driblou o nó na garganta tantas vezes!

Um dia, apaixonado, casou. Jamais disse à mulher que a amava. Para que? Ela sabia disso e era o bastante.

Nasceu o primeiro filho, o segundo... Cresceram sob os olhos de um pai durão e uma mãe carinhosa.

Então, o destino levou-lhe a companheira.

Sentiu-se perdido, sem ânimo para viver. Não derramou uma lágrima sequer.

Já não era jovem, os filhos adultos cuidando dos próprios caminhos.

Vivia sozinho, saia vez ou outra, com amigos.

Bares, bailes, muito jogo de futebol , sinuca e baralho.

Mulheres também. Afinal, homem que é homem mesmo, não fica sem mulher.

Outras tantas vezes, buscou companhias na internet. Conseguia até com certa facilidade, a companhia desejada.

Mas o vazio só aumentava.

Viu nascer o primeiro neto.

Depois, a primeira neta. Reviu-se nas feições dos dois.

E, como avô durão, apenas observou-lhes o crescimento.

Aos poucos, sem perceber, voltou a ser um pouquinho criança.

Um pouquinho carinhoso, um pouquinho “coração mole”.

De repente se viu tomando gosto pela vida.

Não conseguiu segurar a emoção do “ vovô, eu amo você”!

Depois, passou a sentir falta dos abraços carinhosos, do riso solto.

A vida tomou outro brilho, outro colorido.

E hoje, ao balançar da rede, pensava em tudo isso. E nos tantos momentos perdidos. Em que esqueceu de si mesmo.

Viu que a vida é rápida. Num estalar de dedos tudo muda. Sem nos consultar.

O barulho dos filhos e netos chegando... O abraço apertado, ouviu-se dizendo: "Senti saudade , eu amo vocês!”

Veio uma alegria enorme e desconhecida.

Viu sorriso de surpresa e contentamento nos olhos dos seus.

O choro veio solto. Chorou como criança.

E se sentiu o maior e mais completo homem do mundo.

Um homem com H maiúsculo.

Nuria Monfort
Enviado por Nuria Monfort em 14/01/2013
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T4085194
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