" MEUS TEMPOS DE ACADÊMICA DE DIREITO..."

“ MEUS TEMPOS DE ACADÊMICA DE DIREITO...”

Hoje decidi fazer uma viagem no tempo sem escalas e não temendo, pois por eventuais tormentas...

Março de 1991. Revejo-me mocinha, quase adolescente fincando com relativa força os saltos de meus sapatos ao subir as escadarias da FMU, hoje UNIFMU onde me formaria em Direito nos idos de 1995.

Os primeiros dias da vida acadêmica suscitaram-me emoções maviosas, posto que quase indescritíveis... Lembro-me que ao apagar das luzes de um determinado dia, os professores quase em uníssono acabaram por convidar nossa turma para uma visita monitorada na temível e lúgubre Casa de Detenção (atualmente desativada) imortalizada pela pena sarcástica do médico Drauzio Varella em seu livro “Estação Carandiru”.

Em meu claustro psíquico de pronto rechacei tal ideia! O que poderíamos aprender em uma ambiência onde flagrante e ininterruptamente grassavam todas as formas de degradação humana?

Minha decisão foi minoritária, assim como a de meia dúzia de colegas um tanto quanto mais rebeldes... Estávamos cursando uma Faculdade de Direito e nos sentíamos amparados pela aura da Democracia, a qual deveria sobrepujar (como de fato ocorreu) aos ditames professorais.

Minhas colegas voltaram vivamente impressionadas diante do que viram naquele vetusto estabelecimento prisional. Uma delas descreveu com riqueza de detalhes o odor nauseabundo que emanava da cozinha da Casa Detenção, fazendo-me crer que tal lugar parecia estar saído das cenas de algum filme expressionista.

Naquele tempo eu não era nem bonita nem feia... Os cabelos castanho claros lisos corriam em cascata pelos ombros... De vez em quando a harmonia do rosto era quebrada pelo aparecimento de espinhas sorrateiras, e os lábios eram constantemente pintados de vermelho. Sempre fui vaidosa, mas à época dos fatos a maquiagem restringia-se ao pó facial (sempre o de tonalidade mais clara), e ao uso de batons... O rímel preto ou azul era reservado para ocasiões especiais, as quais eram quase sempre raras...

O tempo corre... Estamos em 1993. Nossa turma é brindada por um grande acontecimento em termos acadêmicos. O notável Professor de Direito Penal Dr. Alberto Marino Júnior (“ in memoriam”) conhecido em nosso estado como “ Príncipe dos Promotores Paulistas” fora designado para lecionar em nossa classe! A rapidez de seu raciocínio que fluía como um raio agregada ao seu invulgar conhecimento prendia atenção do alunato como fortes tenazes... Em pouco tempo o Direito Penal tornou-se minha disciplina predileta... Anotava com precisão em meu caderno as aulas do grande Mestre e em casa procurava ainda mais informações nos livros dos grandes penalistas da época Drs. Damasio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete (já de saudosa memória). Posso dizer sem medo de incorrer em gabolice ou pedantismo que minha média global em Direito Penal naquele ano foi dez!

Em 1995 um novo ciclo se abre risonho e difuso ao mesmo tempo para todos nós, quintanistas de Direito... É o último o ano, o da formatura, e também ao mesmo tempo o do adeus aos bancos acadêmicos. Estagiando no Ministério Público de São Paulo na área criminal, escrevendo por diletantismo artigos de interesse geral no semanário “O Serrano” (de minha amada Serra Negra) e estudando com afinco para passar direto sem o exame final o tempo correu veloz e indômito.

Não, era, pois a mesma mocinha que ali ingressara em 1991. Já estava mais madura, pronta para iniciar minhas atividades jurídicas. A leitura de muitos crimes já havia passado por minha mente trazendo profundas modificações em meu pensar nas mais diversas searas do conhecimento. Pude constatar na realidade que muitos seres humanos constituíam-se em verdadeiros monstros, Leviatãs, e que fato “o homem era o lobo do próprio homem”!

Mas, mesmo estas criaturas abomináveis que envergonham a espécie humana possuem direito defesa nos limites previamente estabelecidos pelo devido processo legal...

Não mais voltei a trabalhar na área criminal. Continuo a estudar sempre para cumprir bem e fielmente os mandatos a mim outorgados! Com a vida e o patrimônio das pessoas não se brinca! Jamais me curvei diante dos interesses dos poderosos, e meus clientes se constituem em sua grande maioria em pessoas físicas ou até mesmo jurídicas que diante da quase onipotência do grande capital acabam por sentir-se aniquiladas!

Mas, o Direito esta aí a demonstrar sua notável e grande força oriunda da Democracia há pouco tempo reconquistada... Grande parte dos vis, egoísticos e maquiavélicos interesses jamais é amparada pelo entendimento dos Tribunais Pátrios.

Um pouco da alegria da acadêmica saltitante, risonha, brincalhona ainda remanesce em meus dias como advogada... Prova cabal que aqueles dias (belos dias) passados nas dependências da FMU (hoje UNIFMU) se eternizaram como tatuagens em minha mente e coração...

Ivone Maria Rocha Garcia
Enviado por Ivone Maria Rocha Garcia em 15/01/2013
Reeditado em 06/01/2017
Código do texto: T4086011
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