LEMBRANÇAS 1
Era agosto de 1964, uma dor de cabeça com uma febre sem controle me fez abater. Enquanto meu pai agonizava num hospital, fui levada para outro onde me jogaram na água gelada para baixar a febre. Fiquei dentro de uma máquina que chamavam de "pulmão de aço". Uma gravura na parede de uma enfermeira linda fazendo um leve bico com os lábios, elevando o dedo indicador em sinal de silêncio. Acima da minha cabeça havia um espelho. Tentava me mexer mas não conseguia. Vi minha mãe pelo vidro de uma porta imensa, e li nos seus lábios as palavras "bedinini sante", em meio as lágrimas de desespero. Era seu jeito piedoso de me chamar de santinha. Que raiva, alguém a arrastou dali! Quando pude respirar sozinha puseram-me num berço onde a mamadeira com suco de laranja ficava numa prateleira na parte superior e eu, sedenta, chorava para que as enfermeiras compreendessem minha vontade . O cheiro da borracha misturado ao da laranja está nas minhas lembranças com tanta doçura que andei procurando nas mamadeiras dos meus filhos o mesmo sabor com uma certa nostalgia. Não sei explicar por que achava tudo aquilo bom. Os registros de água nos banheiros me deixavam encantada. Ainda hoje eles me chamam a atenção como para me lembrar de uma coisa que já esqueci.
Um dia as enfermeiras me levaram para uma sala cheia de brinquedos. Eu, rodeada de travesseiros, vi um pianinho e desesperada, tentava alcançar mas eu não governava meus braços. Gritei, gritei com todas as forças que me restavam mas foi em vão. Ninguém entendeu meus gritos e me carregaram dali porque assustei as outras crianças. De volta ao berço, com o cobertor dobrado em forma de leque nos pés, chorei até esquecer. Foi minha primeira experiência do "não poder".
Sonia Dezute