LEMBRANÇAS 5

Cheguei ao mundo com a casa já pronta. Quer dizer, passei da hora até. Minha mãe estava acostumada a ter seus filhos em casa, ora com parteira e a mãe do lado, ora com vizinhas e o médico, mas sempre no aconchego do lar. Na minha vez ela estava sozinha num quarto de hospital numa cidade quase grande. Quando se viu de mal a pior resolveu levantar para pedir socorro e, eu que já estava coroando, voltei para o meu lugar quentinho como quem não queria enfrentar um mundo feio e frio. Só nasci de novo, uma hora mais tarde, no dia 14 de junho, li num almanaque que é dia de Deus. Nasci roxa, sem ar, mas não foi dessa vez. Houve (claro), a promessa para Nossa Senhora de Fátima. Se eu sobrevivesse levaria o nome dela. O pedido foi aceito. Recebi a graça da vida e da beleza. Cresci saudável com as pernas mais bonitas que a vizinhança já vira. Eu imitava tudo que via nos programas de televisão. Sim, meu pai prosperava e em 1962 já tínhamos televisor. Ficava nas pontas dos pés. Posso fechar os olhos e sentir a sensação da bailarina que minha mãe tinha certeza que eu ia ser. A mãe dela me observava e chorava. Era uma criança de três anos que varria a casa, lavava louça igual gente grande. Corrigia os adultos quando eles falavam errado porém morria de medo de trator. Não sei, acho que os associava aos tanques de guerra e, a guerra, ao final do mundo.

sonia dezute
Enviado por sonia dezute em 20/01/2013
Reeditado em 30/03/2013
Código do texto: T4095472
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