LEMBRANÇAS 7

Nunca mais quero tomar essa anestesia de cheiro, prefiro uma pancada na cabeça! Não sei de onde saia aquele monte de cobrinhas fazendo ziguezague numa escuridão sem fim. Esperneei enquanto pude e dormi. Que cheiro horrível! Depois que voltei da anestesia vomitei duas "bichas" cor-de-rosa.

-Olha a sopinha do nenê...

Nenê? Porque a enfermeira me chamava de nenê? Eu já tinha quatro anos e meu nome era Soninha. Pensei que todos já sabiam que eu tinha crescido. Aquele gesso pesava e o pai me deu a sopa com a maior paciência. Menos aquele pedaço de tomate. Talvez o hospital tivesse cachorrinhos para comerem as sobras. Adormeci e o pai se ajeitou naquele cadeirão de madeira para aliviar o cansaço do dia de trabalho e da caminhada a pé até o hospital. Suportei a dor com alegria porque ia sair de lá andando e ia poder fazer tudo que os outros faziam. Sairia com meus irmãos para fazer balanço no "Barão" nas tardes de domingo. Já me via subindo e descendo os barrancos procurando o melhor lugar para balançar e ficar ofegante com a força do vento levando meus cabelos para trás. "Quando o Niquinho me beliscar vou sair correndo até conseguir alcançá-lo e dar o troco. Nunca mais ninguém vai sair escondido para não me levar, nem vou ficar de longe vendo pontinhos brancos no meio das árvores e reconhecendo neles meus irmãos e amigos se divertindo sem mim. Não mais vou ver os olhos da mãe marejando de lágrimas por não ter forças em seus braços pra me carregar nesses passeios. Não vou mais chorar baixinho e limpar as lágrimas nas orelhas dos meus cachorros, únicos companheiros na minha solidão. Vou percorrer cada canto do meu quintal como nunca fui.

Ledo engano.

sonia dezute
Enviado por sonia dezute em 21/01/2013
Reeditado em 19/11/2015
Código do texto: T4096018
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