"CONTRADIÇÃO"

“CONTRADIÇÃO”

Estava eu com a minha filha Teresa Cristina, na época com dois anos de idade, esperando a vez para a consulta com o pediatra. O médico tinha toda uma estratégia para cativar as crianças na hora da consulta. Mantinha uma gaveta com balas e pirulitos e quando pegava aquela espátula para examinar a garganta, as crianças, mais espertinhas, já sabiam para que servia e, obviamente, choravam... Ele, então, mostrava os pirulitos e tentava convencê-las a abrir a boquinha pro doutor examinar . Não deixava de ser chantagem emocional, mas dava certo. Com carinho, ele colocava a criança sentada a seu lado, abria a gaveta e dizia:

- Aqui, você quer? Pode levar pro seu irmãozinho também. Tem muitos!...

A criança, diante daquela tentação, deixava-se examinar e abria a boca, sem reclamar.

Teresa Cristina, esperta demais, já conhecia aquela cantilena, então, quando o médico abria a gaveta para lhe mostrar os pirulitos, ela chorava, e dizia:

- Não queio piuito nem nada!! A gente tinha que rir... Mas depois de uma boa conversa, ela acabava cedendo, principalmente, quando o médico dizia que podia levar pro irmão Alexandre que, na época, tinha cinco anos.

O médico era muito querido; por isso, a sala estava sempre repleta de mamães, com seus filhotes, aguardando a vez. E era sempre demorada cada consulta, pois o médico examinava minuciosamente a criança até dar o diagnóstico correto.

Bem, numa determinada hora em que todos já estavam doidos para chegar a sua vez, entra uma senhora com uma criança no colo e se dirigiu à atendente, falando baixinho algo que nem as mais curiosas podiam escutar. A atendente, educadamente, pediu que ela se sentasse e esperasse. E a conversa que já havia se esgotado entre todas, devido ao tempo de espera , por conta das consultas que se estendiam até tarde. O silêncio da espera era total. Foi quando a última a chegar, quebrou o silêncio e começou a contar:

- Fiquei viúva e me casei de novo. Minha família foi contra, mas ninguém fazia nada por mim. Passei o pão que o diabo amassou para sustentar meus filhos, ai encontrei um homem bom que me sustenta. Graças a Deus não falta nada em casa._ Uma curiosa, então, perguntou:

- E ele lhe trata bem e a seus filhos?

- Sim... Ele é ótimo! Essa menininha é filha dele. Tenho outros dois filhos do primeiro casamento, mas minha família quis que ficassem com ela porque... já estavam mais acostumados.

- Tem coerência... As crianças costumam se apegar muito com as avós...

De repente, adentra à sala um homem com uma aparência rude e quando vê a esposa ainda sentada, esperando a vez, grosseiramente, indaga:

- Ainda está ai? Por que não foi atendida? Não lhe falei que era pra pagar a consulta?

- Sim bem, falei, mas não adiantou, tenho que esperar de qualquer jeito...

- Ah ! Que droga! Então, vamos embora. _ E pegou a criança no colo, saiu pela porta a fora, sem sequer, cumprimentar as pessoas que estavam presentes.

- Espera mais um pouquinho bem... Tá faltando pouco...

- Não espero nada, estou louco de fome. A culpa é sua, por que não procurou outro médico? _ E saiu resmungando, com a mulher atrás que nem um cordeirinho.

As mães ali presentes, entreolharam-se e, em uníssono, caíram na gargalhada.

- Imagina só, disse uma delas: - Que homem grosso, indelicado... E ela endeusou-o tanto, como se ele fosse um santo...

Foi aí que eu dei o meu veredicto:

- Este é o casamento perfeito. Já pensaram se ela fosse igual a ele? A casa ia pegar fogo!!!

Aí, a gargalhada foi dobrada. ..

Obs. Este fato foi real e, apesar de ter passado há quarenta e tantos anos, lembrei-me logo dele quando li o miniconto da Zélia Maria Freire: “Dialética da contradição”

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 25/01/2013
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