Coitado do ladrão!

Era a minha segunda condução a caminho de casa, no trajeto casa-trabalho-faculdade-casa. Quase vencida pelo cansaço, tudo o que eu queria era jogar meu corpo numa cadeira e fechar os olhos para, quem sabe, até dar uma cochilada. Em alguns instantes, uma tensão discreta anunciava rumores de assalto. Fiquei apavorada. Percebi algo estranho acontecendo.

O motorista ordenou que o suspeito descesse, mas ele se recusou. Rapidamente a razão me fez calcular o que eu carregava de valor na minha bolsa: algum dinheiro (algum mesmo, bem pouco), um celular que ladrão nenhum merece, o cartão do Banco (inútil, não há saldo na minha conta, nem limite de crédito para compras) e alguns documentos pessoais. Menos mal.

Saindo desse momento racional, a emoção me tomou, e me voltei para o meu valor, para o quanto eu preciso existir. E devo voltar pra casa, tenho vidas que dependem de mim! E a sensação de desamparo me fez imaginar o som de tiros dentro do ônibus, pessoas caídas... Entrei em pânico! Eu poderia ser atingida. Já pensou se aquele cara resolve tornar concretos meus devaneios?

Pelo retrovisor o motorista sinalizou para o suposto bandido que estava de olho nele. Fiquei sem entender direito o que estava acontecendo. Mais duas paradas, e o cara saltou do ônibus. E só então me inteirei do que houve. Dois rapazes que tomaram aquele ônibus, há pelo menos vinte minutos, observavam as atitudes suspeitas do marginal, concluindo que ele só esperava uma oportunidade para entrar em ação. E isso foi a infelicidade dele (e a minha sorte). Sem saber, ele tomou o mesmo ônibus que os seus observadores e se deu mal porque o motorista foi avisado do risco que corríamos.

O sujeito desceu e, numa atitude de raiva e frustração, deu um soco no ônibus como se quisesse atingir o cobrador, tão logo o veículo entrou em movimento. Isso para mim foi a confissão do que ele pretendia. Mal sabe ele que se livrou de uma raiva muito maior, porque se os outros passageiros tivessem tantos bens quanto eu, coitado! Ele ganharia muito mais vendendo jujuba.

Pareço estar brincando, mas estou com medo...

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 07/02/2013
Reeditado em 14/08/2013
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