E se os sonhos se realizassem?

Uma vez houve um homem que realizava seus sonhos. Não os sonhos de desejos, mas os oníricos. Dantes os realizava. Não foi o primeiro e nem será o último, mas foi o único que, até então, foi atento o suficiente para perceber seu dom. Décadas antes, por exemplo, havia outro rapaz com a mesma fantástica capacidade, que desde novinho realizava seus sonhos. Em uma noite sonhara voando entre as nuvens, que tinham um sabor dulcíssimo. “Mamãe, mamãe”, disse eufórico no dia seguinte, “eu voei, mamãe! Sabia que as nuvens tem gosto de açúcar?”. Preocupada como supostamente deveria estar, consultou um profissional. Um terapeuta chato diria que o infante sofria de distúrbio de atenção. Um terapeuta de má fé diria que sofria de hiperatividade. O terapeuta chato e de má fé, no entanto, disse que o rapaz sofria de esquizofrenia crônica hiperativa tratável somente com o remédio mais caro do mercado, que por coincidência era fabricado por sua empresa familiar. Convenceram-no, pois, que era louco. Não tiveram nem a decência de considerar que o menino sofria de infância (se é que ‘sofrer’ é o vocábulo correto) ou se falava a verdade. Eu vos asseguro que se tivessem perguntado ao pombo que por ali planava, teriam a prova testemunhal de que a criança de fato voara.

Dantes, felizmente, não era próspero o suficiente para bancar um especialista da mente que o pudesse convencer de louco. Ele obrigatoriamente teve que lidar com seu dom. No episódio do monstro embaixo da cama, aprendeu a não ter medo. Quando sonhou com sua primeira namoradinha, aprendeu que também tinha o lado bom da moeda. E quando sonhou com os números da loteria? Pensou que ganharia seus milhões. Infelizmente não o avisaram que sonhar com os números apenas lhe dava números. Teria que sonhar ganhando seus milhões.

Nunca contou a ninguém sobre o seu dom, e nem deveria. Tinha medo que pudessem se aproveitar dele. “Deus me livre”, pensava. Entretanto, contra o seu código moral, estava determinado a revelar seu segredo, pois sonhara que contando a alguém ele descobriria uma verdade reveladora sobre si. Chamou a enfermeira para o canto e desembuchou. Falou de tudo, das dificuldades, das facilidades. Das tristezas, das felicidades. E realizou-se a profecia. Ele ali, vestido de branco no canto mal iluminado, soube de algo que preferia não saber. No fim das contas, leitor, não é necessário ser bem sucedido para pagar terapeutas para nos qualificarem como louco: o SUS paga.

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