Verdades

Elas por Ela

Nasceu miudinha demais lá pelas bandas das Geraes (mas a visão já voltada para o sul sabe-se lá Deus o porque), diziam pesarosos amigos consternados com a família, que ate não sobreviveria a tantas cataporas, icterícias, sapinhos e varicelas. Tantas seqüelas! Ultima gota de um amor maior, já que acima e antes dela havia uma prole já bem definida, onde foi plantada toda a qualidade e também vontades.

Um tinha jeito disto, então vamos verificar, salientar! Outro tinha jeito daquilo, então vamos aplaudir, incentivar!

Outros porem, não admitiam serem taxados, e com o tempo foram qualificados e banidos mas, mesmo nas diferenças, amados por quem calado os compreendia.

Nasceu feinha, sardenta e esquisita, quem a visse, numa primeira analise diria: Uma massa branca envolvida em paninhos coloridos, que era pra ter vida, mas tinha um “Que!”, que fazia a aproximação das pessoas se tornar gostosamente amorosa (talvez pena, não sei!), porque quem se aproximasse daquela “coisinha embrulhadinha” recebia sorrisos, mesmo que agulhas lhe fossem espetadas (era o que diziam), já que sua saúde era bem precária e comprometida, mas logo mostrou a que veio! Com o tempo e gradativamente foi recuperando a saúde, ficou corada a danadinha, ate já diziam - Que bonitinha está tua guria! - e o pai respondia - Sobreviver com galhardia a tudo que sobreviveu é teimosia. - já a mãe disparava – dando as

coordenadas - Que nada! Não cai uma só folha sem que Deus queira. Que Ele ilumine os caminhos dela.

Nasceu em casa simples, no meio da mata, e com simplicidade viveu enquanto pode. Correndo pelos campos, tomando banho de rio, nadando em piscinas formadas pelas quedas d’água em cachoeiras isoladas, subindo em pé de arvores, comendo frutas no pé, mas como nada é perfeito chegou o dia que todos aqueles encantos teriam que ficar guardados na memória de um tempo, e lá se foi a família inteira de mala e cuia, pra cidade! Se antes plantavam e comiam, agora plantavam, se alimentavam e o restante se vendia, e assim a família sobrevivia.

E a guria crescendo, crescendo e causando espanto, de quando em quando tinha que ser benzida, seus sorrisos largos e fartos, suas crises de choro, sua língua solta, e todo seu isolamento confundia, diziam que era quebranto, e lá ia, “Sinhá Tervina” que o diga, mas foram muitas as vezes que só o colo da velha senhora acalmava aquela guria. Mas ela gostava mesmo era do cheiro da fumaça, que lhe era passada por sobre a cabeça (cheiro que ainda esta impregnado nas narinas), e o rosário então! Lhe era roçado nos ombros dando nó, profetizados pela velha senhora - Terás vida longa, mas sofreras as conseqüências de um tempo que não é teu, conheceras um tempo esquálido, amórfico e teoricamente irreal. Farás parte dele sem te infiltrares nele. Estarás nele sem ser uma dele.

E não é que aquela coisinha sem graça, muito teimosa e iluminada, transformou-se em mulher e como mulher viveu as profecias? Saiu do caminho, bem traçado pela família, questionou-o quanto aquela filosofia estava falida, e se enveredou por caminhos irremediavelmente reais e próprios onde cada descoberta era um alivio; sentiu na pele dores e alegrias de muitas vidas e tal a veracidade dos fatos constatou em atos realmente vividos.

Conheceu o Amor, através do Desamor; viveu o Amor, com Amor; Pariu o Amor sem Dor! E doou Amor só por Amor.

Calada viu a modernidade chegando devagarzinho. Calada assistiu as catástrofes se repetindo, sem que coisa alguma fosse feita para que mudasse. Se uniu aos quantos, que queriam ter voz, mas como eram poucos, diante da multidão contraria, as vozes ficaram abafadas e voltaram a se calar. Clamou que no contexto humanitário voltassem a criar campos, onde os filhos dos seus pudessem também correr, tomar banho de rio, enfim retornar ao real. Calada viu a retórica efusiva dos descrentes (descrestes ou contestadores), tomar proporções assustadoras na condução de provas que pudessem dar eloqüência ao fantástico e também fanático mundo em que viviam. Calada foi vencendo provas duras as vezes, mas sempre procurando manter a consciência, que tanto o real quanto o irreal, nós é que fazemos, já que somos senhores do nosso tempo, e este que vivemos é só uma etapa a mais, sabia que a vida passava num segundo, num piscar de olhos, mas o que importava é o que acontecia neste piscar. Calada, em noites frias manipulou ervas amenizando dores de quem amava, causando espanto na eficácia e medo na ingestão. Calada viu o tempo passando rápido demais levando ao caos. Calada desdenhou este mundo, se recusou a fazer parte da peça como personagem, se recolheu para assistir a antiga onde homens serviam de alimento a leões. Calada conduziu os filhos por estradas amplas com direito a escolhas, já que teve que aprender a lidar com um mundo irreal, desconhecido para suas raízes, um mundo paralelo e contraditório. Calada sentiu a fusão homogênea da simplicidade de Cora Coralina com as buscas incessantes de Alexandra David-Néel. E agora também calada, assiste o desmoronar necessário de uma civilização, para que outras possam dar continuidade ao real, porque o irreal esta estabelecido de forma a personificar o Ser de varias formas e não de forma real. E sente que calada deve continuar.

Por assim entender a vida neste plano e convicta com suas percepções e sensações, aceitou e decompôs todas as inserções e contradições com amor e sem criticas, mas com agudeza firmou - Não sou personagem de um jogo, não crio personagens nem vivencio jogos, mas procuro acima de tudo conhecer e compreender as tantas que vivi, sou um Ser, vivendo mais uma etapa evolutiva, se para melhor ou pior o tempo dirá, a mim compete discernir, assimilar e aproveitar as possíveis oportunidades que neste plano se apresentem e com lúcida clareza viver. Por isto, calada continuo observando o que chamam de modernidade, isto quer dizer, estar no mundo e não ser dele, sem me achar vivendo um personagem, só assistindo conscientemente o desmoronamento gradual sem me abalar, ciente que cada qual está onde quer estar, por isto trago dentro de mim muitas gurias sapecas, que se misturam silenciosamente a serenas senhoras, e para concluir, neste plano sou simplesmente.

Mulher.

Buscadora
Enviado por Buscadora em 15/03/2007
Código do texto: T413173