Mundo de hoje



 
                        - A vida hoje em dia está muito vazia, Gilberto!  Essa confidência do meu amigo Lamarca, torna mais viva, gritante, mesmo, o que venho sentindo ultimamente.
                        Não é que a vida esteja vazia, o que esvaziou e parece que desapareceu foi o espírito do homem. O vazio que o amigo médico Lamarca percebe é a secura, a queda do padrão do gosto que vem se acentuando entre os povos da terra, sem exceção. Tanto isso é verdade que os espetáculos modernos dão ênfase à tecnologia, como aconteceu e acontece nesses espetáculos musicais de bandas. Apelam para o fogo com a intenção de distrair o público e esconderem a falta de arte do artista atual.                 Os prazeres gostosos que sempre tivemos com a arte poética,  com o talento do artista parece que não existem mais. Dirão os amigos: - mas então você é contra a tecnologia?  Claro que não, responderia. Sou contra a mediocridade. Soltar fogos,  qualquer um, aprendida a técnica, pode aprender. A arte vem do espírito, da fala, de uma frase que nos deixe extasiados, dos sentimentos,  da maestria em tocar um instrumento musical.  Acho que a falta da arte em si vem afligindo o povo, que nesses espetáculos pirotécnicos,  com música de má qualidade, começam a saltitar, mais de aflição do que de gozo.
                        Fomos acostumados ao prazer desde que nascemos.  E o primeiro grande prazer é o contato com a  mãe, nos dando segurança. Outros prazeres vamos conquistando pela adolescência afora e, mesmo em idade avançada, talvez sem tanto prazer sexual, que a vida nos oferece, vamos tratando de achar satisfação  em escrever, em ler, em viajar e em apreciar a boa arte que nos emocione realmente. Mesmo o teatro trágico, por incrível que pareça, nos dá um tipo de prazer,nos oferecendo oportunidade de reflexão sobre a vida. Afinal, todos queremos uma vida com paixão, emoção e não uma vida insípida, sem graça.   Quando menino, era motivo de  grande alegria ler gibi, Monteiro Lobato,  depois, os livros de aventura de Júlio Verne. Na juventude, os autores da boa literatura, como Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Gilberto Freire, André Maurois, e tantos outros, brasileiros e estrangeiros. Tenho certeza que os jovem saltitantes não estão tendo este tipo de prazer que estou tentando definir para os amigos. O prazer das boas emoções!
                        Deixo bem claro que não sou saudosista. O mundo caminha pra frente e os costumes, as tradições, os valores vão mudando.  E gosto de acompanhar essas mudanças. Fico triste é com a mediocridade reinante. E é uma pena que nossos jovens pipoqueiros, não tenham conhecido a arte pela arte. Essa é a regra, mas não me canso de ressaltar os jovens que escapam a essa regra geral. Eles existem, felizmente.
                        Atualmente, os espetáculos apresentam multidões, massa humana, que não pensa, que não reflete e não sabe fazer uma crítica. Mundo horrível de multidões amorfas.
                        Nunca fui muito de carnaval, mas considerava bom assistir a uma escola de samba do Rio de Janeiro. O que me atraía era a poesia do samba-enredo. Nem isso temos mais. Ontem, resolvi ver uma escola de samba pela televisão e fiquei horrorizado. Samba- enredo épico não tem mais.  Vi frases soltas, desconexas, muito grito e muito espalhafato. Nenhuma arte. Tecnologia, sim! Mas tecnologia não emociona de verdade, pois sabemos que é uma ferramenta para facilitar a vida da gente, nada mais. Para assistir mágica,  temos os mágicos profissionais.  O que eu quero é prazer, me emocionar com uma verdade dita em boa hora,  me assustar com o belo.
                        Na antiguidade, Cícero emocionava com os epílogos dos seus discursos, assim como nos emocionamos com as crônicas dos grandes cronistas. Esperamos sempre um final surpreendente. Não queremos que o cronista, ao final, acenda um buscapé. Pelo amor de Deus!  E por falar em Deus, não resistirei a reproduzir mais ou menos o que li tempos atrás do grande cronista Veríssimo em uma de suas crônicas memoráveis. Vou inventar um pouco, porque só me recordo  mesmo do final. Digamos que ele estivesse falando com um amigo sobre Deus. E que o amigo, de repente, dissesse que estava contrariado com o mundo, esse mesmo mundo  de hoje, que muito mal e rapidamente tracei. Foi quando o Veríssimo pergunta ao amigo o que ele poderia fazer, falaria com Deus?
                        E a resposta do amigo veio imediata. - Sim, adoraria ter esse encontro com Deus, para reclamar muita coisa errada que está acontecendo.  Mas tem o seguinte: falaria com ele de homem para homem...