Espinha na cara

“Moço, tem uma cara na sua espinha”.

“Uma espinha? Acontece, vez ou outra aparece uma no meu rosto”.

“Não, moço. Tem uma cara na sua espinha”.

“Espinha na cara?”.

“Cara na espinha. Literalmente”.

O desafortunado sujeito correu para a primeira superfície reflexiva que encontrou – no caso o vidro de um carro estacionado – para confirmar a falta de sanidade da cidadã que fizera o comentário. “Absurdo”, resmungava.

“Vê”, disse a mulher furtivamente. “Dois olhinhos pequeninos e fechados, uma boca entreaberta e…”

“Um nariz”, completou desapontado o sujeito. Afinal, não é todo dia que vemos uma cara na espinha. Decidido a acabar com o incomodo que certamente aumentaria à medida que fosse exposto, o sujeito levou os dedos em posição de pinça para fazer a o movimento mais vicioso e esteticamente degenerativo dos jovens pingando de hormônio:

“Quem sabe se eu espocar…”

“Não, moço, pára com isso. Agora ela está chorando”.

“E ainda tem isso?! Isso é ridículo, não é possível que seja tão sensível. E agora, como acalmá-la?”

“Suspeito que espinhas gostem de serem expostas. Talvez assim ela relaxe”.

Hesitante, o espinhado virou-se para o lado mais movimentado da rua. O absurdo funcionou, e a espinha logo amuou para como era inicialmente.

“Que bonitinha. Acho que é filhote”, disse a mulher. “Que nome vai dar?”.

“Pode parar! Pára com isso! Não vou dar nome coisa nenhuma, logo essa aberração já vai estar defunta, a última coisa que preciso é criar vínculo com minha espinha da cara. E você ainda fica tirando onda?”.

“Poxa, moço, desculpa. Talvez você deva ir ao médico”.

“Talvez um psiquiatra, né? Espinha na cara já é chato, agora uma espinha com cara? É foda”.

“Foda”.

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