"Concerteza" eu não aguento mais!!!

Com certeza já dói.

“Filho, mas em que mundo nós estamos?” Diziam minha mãe e outras belas e jovens senhoras que nos educaram desde os tempos idos, com muito mais ênfase na exclamação que o momento solicitava, do que na interrogação que a norma nos força a acentuar - tenho quarenta e um anos de idade, refiro-me à turminha de sessenta e quatro, de mil novecentos e sessenta e quatro – mas, este era um dos principais bordões que por tantos anos nos acompanhou; vez ou outra ainda é dito por aí. Parece que aqueles que na verdade deveriam ser os senhores e senhoras dessa sabedoria, não sabiam ao certo em que mundo estariam criando seus pupilos. Essa expressão “em que mundo nós estamos”, era um bordão, entretanto, como outros bordões, revezava suas incursões nos diálogos outrora travados, com tantos outros bordões que surgiam e desapareciam como o rosa-choque ou o azul-bebê. Hoje, “com certeza”, os tempos são outros; tempos cronológicos e tempos de certezas e incertezas. Por exemplo: “Com certeza”. Você já parou para contar quantas vezes essa expressão invade seus tímpanos adentro, emissoras de rádio e TVs afora? É uma silenciosa calamidade. Tivesse eu o tino de meus antepassados portugueses... Possuísse eu a habilidade para enxergar a possibilidade de bons negócios, teria procurado o órgão competente e, via ECAD ou sei lá o que, teria patenteado essa expressão: “Com certeza”. Falou, pagou.

- E aí, Zequinha, você acredita que será possível inverter o resultado dessa partida no segundo tempo? Pergunta o repórter ao ofegante artilheiro.

- Com certeza, se o “professor” fizer alguma mudança no time, nós podemos partir para cima deles no segundo tempo, basta botar mais garra. Responde o claudicante último investimento feito pelo clube na tentativa de sair da apocalíptica situação na qual se encontra na tabela do campeonato.

Pudemos observar no pequeno “embate” descrito acima, que de tanta certeza derramada, até a própria incerteza já não é mais tão incerta assim. Basta acompanharmos as transmissões esportivas, seja através da televisão ou pelo rádio, para percebermos que o “com certeza” estará sempre lá, marcando presença em cada nove de dez entrevistas realizadas. Não sejamos injustos, há os jogadores de futebol que estudaram mais um pouquinho e, “certamente” merecem a exclusão do balaio que assola nossos desavisados ouvidos durante as transmissões, todavia o que estes fazem é mascarar o “com certeza” fazendo uso do “certamente”, assim como eu acabei de fazer linhas atrás. Há também os jogadores que se propuseram a estudar um tanto mais ainda e se transformaram em poliglotas, ministros, etc, etc, entretanto, estes não pertencem ao foco de nosso assunto, deixemo-los quietos.

E o que podemos dizer das entrevistas realizadas durante as transmissões do carnaval? Minha nossa senhora! É um enredo só, cujo samba que o representa é o “Samba do Crioulo Doido”, doido varrido. Uma vez mais nos deparamos com inúmeros momentos de “sobriedade e respeito” a nossa língua – não estou me referindo a Norma Culta não, falo da língua falada, pior, da língua ouvida (meus ouvidos pedem “arrego”, não agüentam mais) – é “com certeza” para lá, “com certeza” para cá, um samba cujo compasso é o próprio descompasso das diversas idéias que nos passam ao usarem a expressão que eu não tive o discernimento suficiente para patentear a tempo.

- Senhor Presidente, a comunidade está unida para que a escola apresente um carnaval à altura de suas tradições? Lá vai o repórter – é o mesmo repórter; as rádios remanejam seus repórteres esportivos para procederem a cobertura do carnaval – mas, lá vai o repórter e sua pergunta ao presidente emocionado da escola que se prepara para invadir a Sapucaí.

- Com certeza! Passamos um ano difícil, foram muitos os problemas, mas com a ajuda de Deus e nosso amado São Jorge, além da garra de nossa comunidade, vamos tentar fazer o melhor desfile de todos, vamos arrebentar! Responde o tal presidente, sambando tanto que a homogeneidade da mistura de cerveja com emoção claudica suas palavras que nos trazem a mensagem e um “quase bafo” até nossos olhos e ouvidos que sempre são pegos de surpresa.

Olha o “com certeza” aí de novo gente! Pois é, mais uma vez a própria expressão, o bordão, perdeu o seu primeiro sentido. O presidente da escola não tinha certeza de nada e nem quis dizer a ninguém a despeito de sua certeza ou da falta dela, ele apenas quis descrever que sua escola de samba faria um desfile permeado pelo ímpeto e pela garra, provenientes de tanto sacrifício realizado para que o carnaval de sua comunidade ganhasse as ruas. Mas lá foi o “com certeza”, avenida abaixo novamente. O engraçado nisso tudo é que a expressão debatida não separa ninguém por credo, raça ou posição social: todos mandam e desmandam o “com certeza” por aí sem dó e muito menos piedade. São passistas, destaques, presidentes, vips, e até mesmo alguns repórteres e apresentadores de rádio e tv, o que é, e onde reside a verdadeira lástima, pois são estes os que divulgam e formam opiniões, novas expressões e novos verbetes goelas e ouvidos abaixo.

Ambientes do futebol e do samba são apenas dois dos segmentos de nossa sociedade, pincelados para exemplificar e agigantar o meu autodescontentamento. Sãos muitos “com certeza” jogados ao vento sem que eu pudesse me beneficiar com eles. Não há como negar – nossa, que maneira chique de dizer: “com certeza” – mas, não há como negar que eu já estaria rico e vivendo à sombra de algum coqueiro ou palmeira, numa dessas praias paradisíacas, sendo servido por alguma nativa duma região qualquer onde não se falasse o português – não gosto de correr riscos em lugares assim – mas, não há como negar que eu já estaria rico, se tivesse gastado melhor meus momentos vagos, com possíveis investimentos, ao invés de ficar por aí gastando o tempo dos outros com minhas frescuras auditivas. Claro, há também a perspectiva de que assim que minha fortuna começasse a causar a inveja alheia, o “com certeza” pudesse deixar a boca do povo, na intenção de coibir o avanço de meu enriquecimento. Contudo eu confesso: meus bolsos sofreriam, porém meus ouvidos... estes seriam eternamente gratos e nós, como bons cidadãos brasileiros normais que somos, poderíamos passar diretamente ao bordão seguinte, saindo dessa mesmice que tanto me perturba. Sem contar, obviamente, que desta forma eu poderia dizer a minha excelentíssima mãezinha, ao responder-lhe com uma frase que calaria suas dúvidas sem maiores problemas: Sim mãe, “com certeza” eu posso lhe dizer em que mundo nós estamos: não é mais o seu e, “certamente” não é o meu, não há como negar, estamos no próximo mãe, no próximo, graças ao bom Deus e nosso amado São Jorge.