Sobre nós, mulheres

Numa tarde qualquer vi num relance uma cabeça com rabo de cavalo dirigindo um ônibus. Não acreditei que poderia ser uma mulher a dirigi-lo, já que numa cidade pequena essas coisas não acontecem; mas era verdade, porque no dia seguinte a vi com os cabelos soltos, muito arrumados e uma seriedade exigida pela atenção ao trânsito.

Oras, e porque não? Achei o máximo.

Pensei que as coisas mudam, os retrógrados passam e fiquei contente que a motorista fosse motorista mesmo e assim como ela, também fui trabalhar.

Depois de um dia exaustivo, tirei um tempo para ler uma entrevista com o tema “A mulher está promíscua” e cuja revista jazia aberta há horas em cima de minha mesa. Deixei-a assim de propósito, pois o título prometia sinceras considerações a respeito de nós, mulheres. Inclusive achei que o autor da referida entrevista fosse homem, e, surpresa minha a entrevistada era Xênia Bier. Para quem não sabe, ela foi a “apresentadora mais polêmica da televisão brasileira” conforme a revista*.

Eu nunca a assisti e tampouco conheço qual programa fazia e em qual canal. Disse que se despediu da televisão há 20 anos e a sua idade: 76.

A parte da entrevista que considerei mais importante é o trecho abaixo, onde o repórter pergunta: “onde mais a mulher está promíscua?”

“Tem a promiscuidade de querer imitar o homem profissionalmente. Fica promíscuo porque ela vai jogar o mesmo jogo do homem (...)”.

Disse também entre outras tantas coisas - que não vale a pena transcrever aqui - que a mulher está promíscua como mãe, e que a mãe, terceirizou o poder da educação dos filhos.

Lembrei-me como num impulso de Nietzche. Ele escreveu em seu livro “Ecce Homo” que para acalmar uma mulher, basta dar-lhe filhos. E de Platão que sugeria que para uma raça de homens superiores, bastava tão somente que as mulheres burras fossem para um convento.

Pensei em tantas considerações e em todas aquelas mulheres que não tem o amparo devido para a vida que a Xênia falou. E aí entra toda uma questão sociocultural e temporal. Para que a mãe fique em casa é necessário outro estilo de vida, algumas têm é verdade, mas geralmente só se tem em sonhos. E para muitas, viver a vida exclusiva do casamento (filhos, marido e casa), terão que retroceder aos tempos de Nietzche, quando o matrimônio não podia ser desfeito. Às mulheres, não restava alternativa a não ser aceitar o que a vida lhe impunha. E aí sim, é bem possível que Nietzche estivesse certo em suas considerações.

Nem falo de Platão porque naquela época existia a promiscuidade no sentido sexual que é onde a palavra de fato nos remete, e alguns poucos filósofos conseguiram nos dar uma prévia um tanto quanto declarada disso, principalmente em seus famosos banquetes, tão bem retratados em Fedro e O Banquete. Mas isso é passado e era a maneira de viver que eles conheciam. Se não fossem eles, possivelmente a filosofia estaria muito atrasada.

Pensei também que hoje há muito mais oportunidades da mulher mostrar o seu valor, e isso não é promíscuo. É uma batalha diária.

Porque também eu se precisasse e tivesse a capacidade de dirigir um ônibus, assim o faria de maior grado. E também chegaria em casa com muitas histórias para contar, tristes ou alegres não importa. Importa é a vida.

E descarto entrevistas, estudos e filosofias. Fico tão somente com Erasmo Carlos:

“Dizem que a mulher é o sexo frágil

Mas que mentira absurda

Eu que faço parte da rotina de uma delas

Sei que a força está com elas...

(...)

Quando chego em casa à noitinha

Quero uma mulher só minha

Mas prá quem deu à luz não tem mais jeito

Porque um filho quer seu peito

O outro já reclama a sua mão

E o outro quer o amor que ela tiver

(...)”*

*Revista Ana Maria de 18/01/2013.

*Música “Mulher” de Erasmo Carlos.

Michele CM
Enviado por Michele CM em 19/02/2013
Código do texto: T4148235
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