O PRAZER DE ANDAR DESCALÇA


Hoje de manhã, enquanto apreciava a beleza de um jardim na minha rua, fui picada no braço esquerdo por uma abelha. Alérgica que sou à picada de insetos, principalmente se os mesmos forem abelhas, o braço logo começou a inchar e a dor a tornar-se insuportável. Estava sem bolsa, sem celular e sem dinheiro. Sabia que precisava de tomar rapidamente um antialérgico, na pior das hipóteses, ir ao hospital mais próximo a fim de me ser administrado um anti-histamínico. Caminhei rapidamente para casa, tentando não pensar na dor e na urticária que começava a espalhar-se pelo braço. Imagens da infância começaram a tomar conta dos meus pensamentos.


Quando eu era pequena gostava muito de andar descalça. Minhas avós e minha mãe, com a sabedoria que lhes era peculiar, avisavam-me para  não o fazer, devido a todos os perigos e mais alguns. Mas eu mal as ouvia. Chegava a casa, pousava os livros e descalçava as sandálias (ou os sapatos) e as branquíssimas meias de algodão rendado que se usavam naquela época. Que alívio era colocar os pés no chão fresco de pedra, na calma das tardes quentes de verão! Menina travessa! Quanto prazer essas pequenas coisas davam!

Depois corria pelo quintal sob um sol abrasador. Os termómetros registravam mais de 40º e eu saltava de pedra em pedra para não queimar os pés. As pedras do quintal e da calçada e o asfalto da estrada  queimavam como fogo! Quase todas as pessoas dormiam a sesta e as ruas estavam desertas nas horas de maior calor. As casas mantinham as portas e as janelas fechadas para conservar o fresco, tudo parecia como que adormecido, e eu descalça, pulando de pedra em pedra, quiçá sonhando que era uma borboleta.

Um belo dia pisei uma abelha. A pobrezinha ficou aprisionada, debaixo do meu pé, depois de me ter oferecido uma bela ferroada! Eu fiquei calada, silenciando a dor, pois mais uma vez tinha desobedecido. Afinal, a minha mãe e as minhas avós tinham razão, quando me diziam para não andar descalça. Havia muitos perigos, sim! E o ferrão de uma abelha era um deles e quase foi fatal para mim.
O pé começou a inchar muito. De tal forma que, em poucos minutos, o inchaço se alastrou para a perna. Não aguentando a dor, comecei a chorar convulsivamente. Não havia ninguém na rua que me pudesse valer, naquela hora de intenso calor. Por fim, gritei. Um grito quase mudo, devido à falta de ar que começava a sentir, além da urticária generalizada e enjoos. As forças, a voz e a visão, parecia que fugiam, a cada segundo que passava. Soube, mais tarde, no hospital, que era o meu organismo produzindo histamina, para reagir ao veneno da abelha, ao qual eu era alérgica. Tive muita sorte, pois fui socorrida antes de sofrer um choque anafilático. Recordo-me que minha mãe não me ralhou, mas eu chorava. Chorava muito: pela dor que sentia e por ter desobedecido, mais uma vez.
Tudo voltou ao normal. Andei um dia ou dois descalça, pois o pé não cabia na sandália, mas não me lembro de voltar a andar descalça no quintal, na calçada e na rua.

Hoje, sempre que saio à rua, não posso esquecer-me de levar um antialérgico na bolsa, não vá aparecer alguma abelhinha sorrateira querendo oferecer-me seu belo e afiado ferrão, como aconteceu esta manhã. Tomei meu antialérgico e não foi necessário ir ao hospital, apesar da dor e do edema que ainda sinto no braço.
Gosto de adentrar jardins floridos, com ou sem insetos, e de fotografá-los.
Continuo a gostar de andar descalça pela casa.
 
Ana Flor do Lácio

Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 24/02/2013
Reeditado em 24/02/2013
Código do texto: T4156411
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