Paixão Corintiana: Amor e Morte...

Particularmente, esse assunto não me seduz a ponto de me fazer escrever sobre ele. Mas, recentemente, fomos abalados pela morte trágica de um torcedor boliviano, um quase jovem homem de 14 anos de idade, que foi atingido por um projétil de sinalizador marítimo num estádio de futebol, durante uma partida em que jogavam o time do Corinthians e um time boliviano. Partida essa válida pela disputa da taça Libertadores da América, logo após o gol do time brasileiro, um sinalizador foi disparado de dentro da torcida corintiana em direção à torcida contrária, vindo a atingir, em cheio, essa criança boliviana que teve morte instantânea.

Bom, o fato que me leva escrever sobre isso, é mais em função de uma reflexão sobre os nossos comportamentos apaixonados, que nos levam às vezes a comportamentos inteiramente inconsequentes, do que qualquer outra coisa em si. Confesso que também não entendi como as coisas se sucederam a ponto de ter esse desfecho tão trágico. Todavia, eu torço pelo Flamengo e sei como essa coisa de torcida às vezes cega até mesmo às pessoas mais sensatas. E, cá para nós, considero-me pertencente à boa ala da torcida flamenguista... Àquela que guarda amor por um estado de ser, onde bandeira configura um ideal que é a projeção daquilo que nos embala o coração... Garra, perseverança, lutar ainda que a derrota pareça lógica. Enfim, o verdadeiro "Flamengo" não tem nada haver com um time de futebol, ainda que se pareça com um. O verdadeiro "Flamengo" tem haver com alma, com espiritualidade (que não se confunde com religião), e o time de futebol é apenas uma de suas várias manifestações materiais dessa vertente de um estado de ser.

Toda essa reflexão, independentemente, dos ídolos ou dos títulos que um time possa vir a ter, nos traz a discussão que deve vir à tona sobre o que está acontecendo com a maioria do povo Brasileiro, que de uma hora para outra deixou de lado a construção da realidade como base existencial, para construir castelos em nuvens, e que de repente deixou de valorizar o mérito de evoluir como ser humano para se deixar perder no cipoal do pão e circo.

Todo talento deve ser reverenciado sim, seja músico, pintor, escultor, esportista ou jogador de futebol, porém não devemos esquecer "que nem só de pão e água viverá o homem", precisamos reverenciar também em nós àquilo que nos faz humano, professores, cientistas abnegados, juristas e trabalhadores simples que apesar do pouco pão e da pouca água, ainda assim conseguem encontrar forças para continuar trabalhando o caminho de sua evolução.

Compreendo cada palavra dos incautos torcedores ao exacerbar sua paixão, mas o que não dar para entender é esse sistema de valoração nosso, onde um jogador de futebol é mais valorizado do que um Dr. Zerbini da vida, que tanto fez para transformar nossa cardiologia em algo de top em nível mundial. Dessa forma, acabamos esquecendo que a própria essencial do futebol traz tatuada a vitória do esforço e da superação, e só se consegue isso pela garra do amor a um ideal. Isso sim deve ser valorado e não o aspecto puramente material do jogo, que é apenas o meio e não o fim para uma conquista de verdade definitiva.

E, eu, particularmente, acredito que o "Flamengo" como qualquer outro time de futebol ( Corinthians) estar aí, sobretudo, para libertar e ensinar as pessoas a voarem e a terem sonhos, assim como todo esporte de uma forma geral, e não no contrário, como uma forma de prisão pela ignorância absurda a ponto de provocar a morte de pessoas inocentes em decorrência de atos de irracionalidade movidos por paixões doentias.

Acho que pelo amor ao esporte podemos, claramente, ensinar os melhores valores que devem balizar a educação e o desenvolvimento de nossos filhos e netos no processo de humanização de suas trajetórias pela vida. Coisa assim como a que foi presenciada numa competição paraolímpica: os competidores estavam perfilados aguardando o início da prova dos 100 m raso, quando foi dada a largada, lá pelo meio da prova um dos competidores tropeçou e sofreu uma queda, ocasião em que todos os demais para-atletas pararam para acudi-lo e, vendo que nada de grave lhe tinha ocorrido, resolveram levantá-lo e juntos, todos de braços dados, tomaram a atitude de cruzarem a linha de chegada num só instante, desse modo todos foram premiados com a medalha de "Ouro". Fato esse que conseguiu emocionar a todos que estavam no estádio Olímpico, levando-os lágrimas e arrancando aplausos quase que intermináveis.

Assim, imbuído por essa ideia, acredito que haverá um dia em que relatos como esse - trágicos - não serão mais estampados em manchetes de jornais e que os esportes se prestarão apenas como pontes de elevação do espírito humano.

E como sei que a maioria dos torcedores do Corinthians pertence à boa ala dessa torcida, pois veste a camisa como forma de exaltar o amor, não ao clube, mas à própria vida sobre a ótica do estilo de ser corintiano, que fatos assim devem servir ao propósito de aguçar ainda mais o seu senso-crítico e fazer deflagrar uma reflexão profunda na forma de exacerbar essa forma de paixão ao clube. E, Oxalá, que isso venha ficar como apenas um fato isolado no histórico longínquo desse grande time de futebol e, sobretudo, que pessoas insanas sejam confinadas e, exemplarmente, responsabilizadas por seu atos. Afinal, em nada contribuem para o crescimento e desenvolvimento deste esporte cujo amor a ele é ainda a bandeira que desfralda no coração dessa torcida.

(Fábio Omena).

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 25/02/2013
Reeditado em 16/06/2013
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