Ressentimento

Quando eu era menor, uma senhora, que morava no mesmo prédio que eu, falou pra mim no elevador:

-Nunca se apegue a ninguém, menina. Você ainda é jovem e tem muito o que aproveitar!

Eu perguntei a ela por que ela me dizia isso.

-Meu marido morreu. E eu estou sofrendo muito.

-Mas se você não tivesse casada, você não teria os momentos bons!

-Sinceramente, filha, os momentos bons jamais apagaram a minha dor.

Ela me convenceu. Nunca me apeguei a ninguém. Nem mesmo aos meus pais. Nunca tive amigos na escola. Somente colegas. Estudei, somente. Tirava dez em todas as matérias. Não tinha vida social para me preocupar, então estudar era a única coisa que eu fazia. Sabia que era a única coisa útil.

Entrei na faculdade de medicina. Passei em primeiro. Meus pais ficaram orgulhosos, fizeram uma festa. Eu simplesmente fiquei sentada num canto, vendo todos conversarem, e se "divertirem". Eu pensava comigo: isso vai acabar, e logo todos estarão tristes de novo. Todos, menos eu."

Me mudei. A faculdade não era no meu estado. Fui morar sozinha. Perto da minha casa, havia um córrego. Ele era bem fraco.

Um dia, voltando da faculdade, estava chovendo. Algo me chamava pra ver o córrego. "Estará forte, hoje?" Não estava muito. Havia mudado meu caminho a toa. Quando me virei, vi no chão uma borboleta. Tinha pouco mais de quatro dedos de envergadura. Era marrom com manchas amarelas nas asas. Muito bela. Estava molhada e não conseguia voar. Senti compaixão pelo pequeno artrópode. Peguei a borboleta e a levei para minha casa. "Ela vai secar e amanhã já não estará mais aqui". Foi o que pensei.

No dia seguinte, lá estava ela. Tentava bater as asas, mas não saia de onde estava. Eu olhei mais de perto: tinha uma asa amassada. Tentei arrumar. Não consegui. Pesquisei na internet o que borboletas comiam. Coloquei uma flor ao lado dela, e água com açúcar. Ela simplesmente tentava escalar a flor, para chegar a um lugar mais alto. E lá ela ficava. Tentava, inutilmente, bater as asas. Não saia do lugar. "No dia seguinte estará morta".

Isso não aconteceu. Lá estava ela, determinada a voar e a viver. Sem comer nada, por um dia. Fui a faculdade. Quando voltei, ela ainda estava lá. Viva. Coloquei-a na mesa comigo. Jantamos juntas. Digo, eu jantei. Ela nada comeu. "Estará morta pela manhã". Mas ela não estava. Ainda agora, quando escrevo, ela está viva. Frágil, porém viva. Há três dias ela não come nem bebe. A outra asa rasgou. Fico pensando se ela vai voltar a voar no céu das borboletas. Se bem que o mais certo seria pensar em quando ela voltará pra lá. Não acredito que ela viva por mais uma noite. Está muito fraca.

Neste momento, sinto algo estranho. Há lágrimas pelo meu rosto. O tempo que passamos juntas foi bom. Ainda é. Por mais que doa, foi bom eu a ter conhecido. É como diz uma música: melhor sofrer de amor do que nunca ter amado. Algo assim. Quando ela morrer, vou colocá-la numa caixinha, e enterrá-la no quintal de casa. Tem um pouco de terra lá, e também um passarinho que morreu faz alguns dias. Ele também não podia voar. Era aleijado, das pernas. Mas ele está voando agora.

Mas... Voltando à borboleta. Acho que ela sabe o que eu sinto. Ela gosta de subir no me dedo e bater as asas como se dissesse: está tudo bem, você fez o seu melhor, mas a minha hora está próxima. Nunca achei que fosse chorar por alguém. Mas choro por uma borboleta que conheço há três dias. Ela me ensinou e eu aprendi. Um ser humano me ensinou a ficar longe. Uma borboleta a beira da morte me ensinou a ficar perto.

Bekah
Enviado por Bekah em 14/03/2013
Reeditado em 01/07/2016
Código do texto: T4188999
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