A pose real

Ontem à tardinha fui ao minimercado pegar umas ninharias que precisava; tais, que minha compra custou R$ 11,29. Como não tinha trocado paguei com uma cédula de vinte reais; a mulher que me atendeu, devolveu-me R$ 9,70 de troco. Na verdade, o troco exato seria 8,71, mas, quem liga para um centavo?

Como notei em tempo, devolvi um real, advertindo que ela se equivocara.

Achei estar fazendo a coisa certa, a qual faria, qualquer que fosse o valor, por questão de princípios. Entretanto, dada a reação dela, acho que fiz a coisa errada. Ela fez uma expressão de nojo, pegou com força a moeda e disse apenas: “Eu peguei errado”. Normalmente as pessoas agradecem com um sorriso.

Por que estou contando isso? Acaso minha pífia devolução deveria ser cantada em prosa e verso? Na verdade não é meu gesto que está em apreço, mas o dela, como um quadro que realça em sua pintura, nuances da psique humana, contagiada pelos falsos valores.

Na hora apenas fiz o que achei que devia, mas, a caminho de casa me pus a pensar para entender a reação dela. Havia umas duas pessoas que viram, uma, na fila atrás de mim, e outra que cuidava de empacotar. Ela deixou claro que preferia ter perdido o mísero real, que perder a pose ante duas pessoas.

Nosso breve mal estar se deu em face de um choque de valores. O meu, de preservar a boa consciência; o dela, de manter as aparências. Malgrado a constatação milenar, desde os Pré-socráticos, ao menos, que as aparências enganam, as pessoas valorizam-nas, ainda, mais que as essências.

Lembrei uma reflexão que escrevi há algum tempo; “Pecar exige maturidade, essa idade sóbria onde não são os outros os culpados.” Claro que isso está pleno de ironia, pois, não é prerrogativa dos maduros cometer erros, mas, assumi-los.

Na verdade o profeta Isaías predisse um tempo assim, onde a virtude, o bem seriam vilipendiados, como se fossem mal; “... Sim, a verdade desfalece, e quem se desvia do mal arrisca-se a ser despojado;” Is 59; 15

Isso é mera ponta do iceberg, pois, quem sonega erros insignificantes, como lida com os maiores? Mesmo os corajosos, que assumem seus erros de peito aberto, ainda sepultam muitos sem funeral. Charles Spurgeon dizia que, os pecados que confessamos são apenas os mais vistosos, como um fruticultor expõe na feira suas melhores frutas, tendo muito ainda em seu pomar. Talvez, ciente disso, Davi fez a sábia oração que segue: “Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos.” Sal 19; 12

Aí vêm alguns psicólogos tentar nos convencer que o maior problema humano é a baixa autoestima; na verdade somos tão orgulhosos, que quando Deus ousou mostrar nossos erros num “templo” frágil, em Jesus, nós o pregamos na cruz, para que não se atreva mais a dizer que somos imperfeitos, pecadores...

Embora, algumas igrejas da moda façam parecer que as pessoas precisam de exorcismo, onde fariam o mal por culpa do diabo, a Bíblia ensina que precisamos cruz, pois nossa natureza caída se inclina em direção ao mal, como o trigo na direção do vento.

Então, minha inocente moeda obrou por realçar, que a alma humana apressa-se ao belo superficial, por negar-se a pagar pela beleza real, como disse alguém numa canção: “Mente pra mim, mas, diz coisas bonitas”.

"Há dois graus no orgulho: um, em que nos aprovamos a nós próprios, o outro, em que não podemos aceitar-nos. Este provavelmente o mais requintado." (Henri Frédéric Amiel)