DIA NOVO
(Crónica do dia 12/3/13)
Sete horas: amanheço entre o recendo do café
e aroma de poesia que chega à minha janela...
Cozinha e horizonte se misturando no meu nariz
por um segundo fecho os olhos, me infinito no tempo
nesse segundo sinto o que sem saber faço: Oro...
O universo conspira c'as palavras das que me escondo
a esta hora ainda permaneço filha da virgindade da noite
e tudo me toca agora pela primeira vez...
Abro a janela...
Uma chuva miúda lava a tela com a que o mundo
se vai vestir hoje de cores: modelos já de primavera
Antecipo a chegada do sol dando brilho a tudo
ante os milhões de olhos de água pousados nas folhas
diminutos arco-íris encherão o quintal: paraíso da Melra
O galo pregoa a grande obra insistindo com seu canto
os passarinhos ocupam os melhores lugares,
escolhem fila e mudam, se recolocam: tudo é deles !
Mas o sol ainda se resiste, ele é rei, ele manda
depois assomará espreguiçando-se meio escondido
e finalmente sairá inchado e fumegante como pão do forno
Todo o vê, todo o respeita, cada ervilha o venera
cada folha lhe entrega sua gota-tesouro que guardara
A aurora corre seus lenços cobrindo as estrelas
elas merecem descansar de nossa frenética presença
O barulho de um carro lá longe veio interromper o momento
e trazer a mim uma melancolia irreparável:
tanto perder o tempo conseguindo banalidades
que nos façam esquecer o simples que é a vida
a vida que é dor
a vida que é canto
a vida que é o galo a gota de água a erva molhada
as estrelas adormecendo...
a vida que são horas que nascendo preciosas
logo aprendemos a atirar na lixeira de pensamentos vazios
vivemos pensando na carência, no que nos falta...
como se ocupássemos quartos vazios de nós mesmos
quartos sem mobilar e nos outros nem reparamos...
Nós consumimos num mundo de comodidades:
tenho uma cozinha eléctrica para não perder tempo
na procura de lenha ai no bosque dos carvalhos
agora poderia fazer maravilhas com essas horas todas
que não gasto tendo que ir a procura de lenha pro lume
mas tenho que ir pagar culto ao fabricante de cozinhas
e todas as cousas esse deus requer todas as minhas horas...
É um falso deus num mundo também crescendo falsamente
mas não posso escolher ser passarinho como eu queria ser
os passarinhos jamais mostram melancolia
eles insistem e insistem na felicidade própria e alheia
os passarinhos não se deprimem...
pergunto-me se será porque eles voam
depressões não tem asas elas só se arrastam
jamais alcançam quem insiste em voar
talvez outras loucuras assistam os sonhadores
O dia nasce e tudo está ainda aí sendo possível
o dia nasce para todos igual, mas mal abre os olhos
nós o embrulhamos em panos tão diferente...
Concha Rousia 12/3/13 (para ser editado)
Fotografia de hoje no quintal...