A gaivota triste

O sol se escondia no horizonte quando ela voltou para seu abrigo no penhasco. Desta vez demorara-se mais do que de costume. Ficara á distância observando os humanos nadando. Entretida por suas brincadeiras. Apreciando as risadas e seus mergulhos desajeitados. Gostava de observá-los, era seu único passatempo. Por vezes imaginava como seria sua vida se tivesse nascido gente. Passear de automóvel, morar em uma casinha á beira da praia, e principalmente ter um companheiro. A gaivota era muito solitária. A mãe fora morta quando ela era ainda um bichinho quase sem penugem. Precisou enfrentar intempérie, e predadores. Lutar para continuar viva. Por isso mesmo cresceu desconfiada, preferindo a própria companhia. As outras gaivotas viviam em bandos dando rasantes e gorjeando alegremente. Por vezes tentaram uma aproximação, mas como ela não demonstrasse interesse em se juntar á eles a abandonaram á solidão. A gaivota era mesmo diferente das outras, não externamente, mas por dentro. Tinha lembranças de tempos em que ela não se lembrava de ter vivido. Tinha sonhos nos quais ela era uma moça formosa e muito alegre. Passeava com uma amiga por ruas arborizadas, tomando sorvetes. Valsava em palacetes ricamente decorados, vestida em lindos trajes. Era admirada e querida por todos. Os mais belos rapazes lhe faziam a corte. Quando despertava pela manhã e abria os olhos em seu pequeno ninho, uma tristeza muito grande a invadia. Não entendia porque sonhava com uma vida que não era sua e que nunca seria. Era somente uma ave desajeitada e só. Saboreando ainda as imagens do sonho, ela voava em direção ao mar em busca de peixes para seu desjejum. Cada dia ficando mais escassos. Em um fim de tarde, estava ela distraída admirando duas crianças que nadavam um pouco afastadas dos pais, quando percebeu que havia alguma coisa errada. A criança mais nova afundara e sumira. A gaivota voou em direção aos adultos grasnando desesperada. Um homem se sentindo incomodado pelos trinados atirou-lhe uma latinha de cerveja. Mesmo ferida a ave continuou tentando chamar a atenção, até que uma das mulheres se levantou e a seguiu em direção onde a criança afogara. Um rapaz que também presenciara o acidente havia tirado a menina da água e aplicava os primeiros socorros. Antes de voar de volta ao penhasco para se recuperar do ferimento, a ave se aproximou da garotinha que começava a voltar a si, e ao olhar para os olhinhos azuis, reconheceu a amiga com quem se divertia nos sonhos.