Apenas uma ponte


Os paralelepípedos da ladeira que levavam até minha casa não existiam mais. Agora era um asfalto duro, seco e cinza. Tentava trazer de volta  a paisagem de 27 anos atrás mas não conseguia. Talvez na praça? Pelo contrário. Agressivos bancos de cimento com propaganda  substituíam os de madeira, com pés de ferro fundido. As memórias da infância não estavam mais lá, nem as frondosas árvores, nem a  “venda” do “seu” Antônio ou a lojinha do Turco. Procurei mais. Queria ver o passado, mas não conseguia.


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Olhei então para a ponte de cimento e as duas muretas de tijolos  que a protegiam. Águas lentas e  sujas deslizavam por baixo dela. Sacos plásticos jogados nas duas margens. A cena provocou revolta dentro de mim. Como uma antítese, pude ver, de repente, as imagens distantes, do meu tempo de garoto. O riozinho, cristalino, ia  veloz  sob a ponte de itaúba. Sem muretas, sentava-me na beirada. Meu pai dizia  que aquelas águas iam para muito longe, caíam em outro rio e  depois se lançavam no mar. Eu me maravilhava. Quer dizer, que eu podia, com uma barquinho, ir da minha cidadezinha até o longínquo mar? Num barquinho, eu poderia viajar para longe, com  tudo que queria...? A ponte, então, seria como um porto, o porto seguro de minha imaginação, de meus desejos...

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