Porque sois pó...



Tenho pensado nos últimos dias que nossos corpos mortos não deveriam ser enterrados em caixões. A gente devia mesmo era ser enterrado direto na terra, e nus, já que não podemos nos abandonar numa floresta e doar nossa carne aos comensais até que o resto de nós, desfeitos, fertilize a terra e faça crescer o vegetal...
Não sei se isso é um pedido pra quando eu morrer, talvez não o seja porque e eu ainda quero arrastar minhas dores e viver meus prazeres por muito tempo, e fazer um pedido pra quando morrer pode se parecer com uma imploração pela morte que minha ânsia de viver repudia – pura superstição ou pode ser o sentimento que nos move a todos...
Penso, logo existo. Tenho pensado na relação homem terra e no medo que o homem tem do contato com a terra. Isso é meio parecido com o medo que se tem do outro. Deve ser porque o outro somos nós ao espelho, como o pó da terra é a matéria do nosso corpo.
Em vida nos isolamos dentro de caixões envernizados e nos protegemos uns dos outros. Oferecemos um bonito e fúnebre caixão adornado de flores e cores com um sorridente corpo morto dentro dele. Assim seguimos fechados em nossa própria putrefação...
Na mesma linha, o literalmente morto se isola – ou é isolado – da terra que é mãe e de que o corpo é parte. Se entregues a terra, sem o subterfúgio do caixão, nosso corpo seria serenamente desfeito no pó da mãe-terra-matéria-substância, sem a fermentação asquerosa do estar isolado, sem ar e entregue a flores mortas.
Fundir-se à terra é fundamental, então que seja do modo mais natural possível. Esta seria a forma mais gloriosa de voltar-se a si, e, na imensidade e fertilidade da terra, a continuidade do existir.


...ao pó te tornarás.