UM APELIDO CARINHOSO

- Mô, abre essa garrafa pra mim.

- Sabe de uma coisa, Claudia, eu queria falar isso há muito tempo e vai ter que ser agora.

- O que foi? Não quer abrir a garrafa?

- Não é isso, me dá aqui essa coisa. Pronto, tá aberta. Eu quero falar outra coisa.

- Que foi, Mô?

- É exatamente isso, para de me chamar de Mô. Não gosto, nunca gostei, detesto.

- Mas você nunca me falou isso.

- Nunca falei, mas agora to falando. Por favor, nunca mais me chama assim, tá?

- Mas como vou te chamar... assim, carinhosamente? Quer que chame de amor?

- Não, Mô, morzinho, morzão, moreco, more e amor, tudo é a mesma coisa.

- Mas acho muito formal chamar pelo seu nome próprio, somos casados, nos amamos, né?

- É nos amamos, não precisa chamar pelo meu nome, chama de outra coisa.

- Posso chamar de meu bebê?

- Claudia, eu tenho quase dois metros de altura, cento e trinta quilos, tem certeza que quer me chamar de meu bebê?

- Que tal, meu nego, meu preto?

- Sem preconceito, mas será que combina mesmo com minha origem dinamarquesa?

- Então xuxuzinho?

- Ridículo, nem venha com esse negócio de tchutchuquinho, piguxinho, bunzunzunzinho, é muita frescura pro meu gosto.

- Que tal anjinho?

- Quer que eu morra é? Chama logo de alminha, fantasminha, defuntinho, presuntinho.

- Que é isso, cruz credo! Isso não tem nada a ver. Já sei, vou te chamar de uma coisa gostosa, tipo meu docinho, meu bombom.

- Claudia, eu sou diabético, lembra? Vai tentar o cão.

- Oh, Mô, quer dizer... de que é que eu te chamo mesmo? Senhor Karl Larsen.

- Tá me tirando?

- Mas não é o seu nome? Você não me dá alternativa... posso te chamar de coração?

- Chama de fígado, vesícula, rim, tripa, qualquer coisa.

- Que grosseiro.

- Desculpe, Claudia. Me perdoe.

- Eu só quero te chamar com carinho, entende, mô, ou desculpe. É que é difícil depois que acostuma.

- Por favor, prometa que nunca mais me chama desse jeito.

- Prometo, mas só numa condição.

- Qual?

- Você me diz como quer ser chamado.

- Tá bom, me chama de... Afonso.

- Afonso?

- É,.. eu acho tão carinhoso...