Na janela

De tardezinha, já de banho tomado, sentava na janela e ficava aguardando o pai chegar. Balançava sem parar as perninhas, sinal de descontentamento com a posição, ou só para deixar o chinelo cair propositalmente, pois para pegá-lo seria preciso testar suas habilidades de descer e subir. Quando enjoava, ficava de pé na janela, pois assim daria para avistar até na porteira, e se conseguisse ver o pai a tempo, poderia correr e fazer-lhe uma surpresa. Iria encontrá-lo no meio da estrada, receber um abraço bem apertado, montar em seu pescoço, passar o relatório do dia, delatar as intrigas fraternais, dar notícias dos porcos, cachorros, vacas, contar o que comeu no jantar, ou apenas olhar o mundo lá de cima. Ali se sentia segura. Gostava de ver como tudo ficava diferente. Parecia tão alta, de lá tudo parecia pequeno. Satisfeita, sempre confirmava com o pai: “Papai, você sempre vai chegar, né?” “Claro que vou, querida.” “Promete?” “Prometo!”

Não se lembrava da primeira subida na janela e nem da primeira espera. Antes faltava muito para sua cabeça alcançar a parte de cima da janela, e agora de pé, já roçava a cabeça lá, pois era só olhar de perto para ver fiozinhos de cabelo arrancados que ficavam presos nas farpas da soleira superior. Esquecia-se disso, só quando ia se abaixar os puxões fazia-a lembrar de não levantar o corpo todo da próxima vez.

A janela ficava na sala, na frente da casa. De lá se tinha uma bela vista. Podia-se ver o gado pastando, os passarinhos se preparando para dormir, fazendo algazarra na paineira. E o mais importante, dava para avistar a estrada.

Especialmente naquela tarde, estava mais impaciente do que nos outros dias, pois o tempo nublado fazia a noite chegar mais cedo, e quando escurecia não gostava de ficar só na sala. Era uma casa grande, mal dava para ouvir o barulho da mãe na cozinha, lidando com a louça, e da televisão que entretia os irmãos em outra parte da casa. Não se sentia bem sabendo dos muitos quadros de gente morta pendurados naquelas paredes. Conhecia cada um deles pelo nome, a mãe lhe ensinara: “São seus antepassados." E ela sempre pensava: "Antepassados e mortos.” Como do lado de fora da casa ainda era dia, resolveu o problema puxando a janela para fecha-lá atrás de si. Ainda assim sobrava espaço de sobra para ficar sentada lá.

Enquanto ainda havia um restinho de luz permaneceu olhando na estrada, e nada do pai chegar.

Ouviu uns passos atrás da janela, e logo a viu abrindo, era a mãe reclamando que havia procurado-a pela casa inteira, perguntando se não a ouviu chamando. Era hora de se recolher, mas havia algo errado. Antes que perguntasse, a mãe adiantou que o pai devia ter passado na casa de algum compadre e se esqueceu da hora. Que fosse para a cama, não haveria de se preocupar, pois quando o pai chegasse ele iria até lá.

Já deitada, prometeu que o esperaria o tempo que fosse preciso, acordada.

Duas promessas foram quebradas naquela noite. A da menina por causa do sono. E a do pai, por causa de um trágico acidente.

Meus queridos leitores, perdoem-me pela ausência. Crianças, marido, trabalho... no tempo livre me dediquei mais à leitura, deixando a escrita um pouco de lado. Voltarei aos poucos... Um abraço a todos.

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 11/04/2013
Reeditado em 12/04/2013
Código do texto: T4235722
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