Eu parei pra ver a chuva.
 
 (Claude Bloc)

Hoje a chuva calou-se, mas me encharcou mesmo assim. Fez-me provar a doçura de muitas lembranças. O tempo em que eu, na fazenda, plantava pés de milho e feijão para esperar a colheita, na Semana Santa.
 
Lembrei-me de como me dedicava a esses momentos tão especiais. Queria assistir e acompanhar a metamorfose das plantas. Era um processo lento, mas trazia uma mágica transformação naquele trechinho de terra onde eu cultivava também meus primeiros sonhos. Sentia que ali eu também me modificava.
 
 Ia lá, todo dia, em meio ao sol ou à chuva pra ver aquelas folhas e talos germinarem, ver a plantinha florescer e crescer devagar e com o viço que a chuva lhe proporcionava. Tudo isso era realmente mágico. Ficava horas entretida, calada, apenas apreciando aquela cena como se o fato de plantar aquelas sementes, me desse algum poder sobre elas. Eram minhas, minha cria. Considerava que sabor seria muito melhor quando as espigas e vagens fossem mais tarde preparadas com apuro para serem devoradas. Daí se entende meu amor pela terra. Essa fantástica magia que a vida nos ensina.
 
Agora, um momento de pausa. Quero deixar tudo isso de volta na minha gavetinha de lembranças. Quero relembrar aquele dia em que a chuva jogou-se em mim com tanto ímpeto que se fartou. Jurou voltar quando se despediu e me deixou ali parada em sol, em lá, em si. E fico pensando, que isso só existia em mim ou nas pessoas que viveram cenas semelhantes.
 
Percebo que longe dali, daquele mundo onde as plantas me seduziam em suas repetidas reproduções, em suas constantes transformações,  as cidades cresceram. Na cidade, as pessoas passam suas vidas correndo e, muitas vezes, se esquecem de parar por um instante, e de, nesse momento de pausa, viverem intensamente qualquer que seja a novidade, o refluir da vida, distante de uma rotina sufocante. Se esquecem de se deter para acompanhar algo tão simples como a chuva. De, por exemplo, saber como olhá-la, senti-la e vivê-la. De sentir o cheiro de terra molhada entranhando-se na alma e ensopando-a de alegria. E então, nesse exato momento, fazer uma parada. Suspender a respiração e deixar o sorriso inundar a face e o espírito...
 
É, as cidades cresceram. Hoje as pessoas passam suas vidas correndo e, muitas vezes, se esquecem de parar. Eu parei pra ver a chuva.