A velhinha andando em círculos

De vez em quando eu levo minhas tristezas para passear em meio às Super Quadras aqui em Brasília. São prédios residenciais, condomínios mesmo, mas todos livres, sem cerca ou muro que impeça a passagem de um intruso vindo do Setor de Solidões Sul. Nesses prédios moram pessoas bem sucedidas. Mas o que me interessa são os bonitos caminhos que separam os prédios, os blocos, as quadras, todos rodeados de árvores e paz. Geralmente eu acho que os moradores de lá pouco aproveitam a paisagem que escolheram para morar, mas é verdade que há muita gente caminhando, fazendo exercício ou conduzindo cachorros. Às vezes vejo alguém de bicicleta. Mas, absolutamente, não vejo ninguém mais caminhando tão à toa, tão cheio de vontade de ver e sentir como eu.

Quero sentar em algum lugar e só observar, e então encontro uma espécie de pátio com alguns bancos de concreto. Sento e vejo ao longe uma criança brincando com a mãe. Vejo em seguida uma velhinha caminhando ao lado de um parquinho. Distraio-me vendo alguma outra coisa, e depois de alguns instantes volto o olhar e vejo a mesma velhinha caminhando no mesmo lugar. Mas será possível? Só então percebo: ela está dando voltas no parquinho. Acho engraçado. E caminha bem rápido, considerando a idade. Tento entender por que uma pessoa decide andar em círculos em um lugar tão espaçoso como aquele. Só me ocorre a possibilidade de medição. Será que ela está contando o número de voltas? Que coisa.

Não demora muito e eu percebo uma mulher fazendo a mesma coisa: andando ao redor do parquinho. Será que é uma tradição por aqui? A mulher é bem mais jovem e caminha a alguma distância da velhinha. Só que é bem mais rápida, e por isso em pouco tempo elas se aproximam. Curiosamente, a mulher não ultrapassa a velhinha. Fica atrás, mantendo uma distância segura. Caminham assim algum tempo. Fico pensando em como seria engraçado se caminhassem na direção contrária e tivessem que se encontrar a cada volta. Iriam se cumprimentar? Tenho um pensamento maldoso: elas me lembram dois hamsters amestrados.

Súbito, a mulher que se recusava a ultrapassar a velhinha decide parar. Caminha um pouco na direção contrária. Quando acha que já há distância suficiente entre elas, retoma o caminho na direção normal. É certo que eu entendo bem pouca coisa, mas aquilo realmente não me pareceu de fácil explicação. Lá estavam agora as duas caminhando ao redor do parquinho, uma bem distante da outra. Calculei mais ou menos o tempo que levariam para se encontrar de novo. Dito e feito. Mas agora a velhinha estancou, e atrás dela a mulher. As duas paradas. O que impede a mulher de se aproximar da velha? Nem a minha fobia social é tão grave assim.

A velhinha então sai da rota. Aparentemente, vai embora. Inacreditável, a mulher vai atrás! E continuam as duas o mesmo exercício: a velhinha andando à frente e a mulher acompanhando a uma distância segura. Tenho o desejo de as seguir também, ver até onde irão e como se comportarão, mas acho que daria muito na vista. Elas mesmas me viram ali sentado a observá-las. Sem mais ter o que fazer por ali, apenas me levanto, e continuo a caminhada, ainda triste e cheio de desejo pela vida.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 22/04/2013
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