O misterioso aniversário no bairro paulistano do Cambuci

Uma pessoa original é aquela que os outros gostam, querem perto, chamam pro churrasco, convidam para festas. Os parentes, amigos, vizinhos olham por ele. Sobretudo depois de ter, forçosamente, que morar sozinho após o passamento dos pais. Rapaz adorável, de bom humor, de coração profundamente humano, muito correto e digno, sempre disposto para o trabalho, mas, digamos, levemente distraído.

E lá foi ele para o aniversário da prima, ou melhor, quem sabe do neto da prima ou de qualquer outra pessoa, no Cambuci. Não importa. Foi convidado e, de carro, saiu da Vila Sônia e foi com o irmão da prima, que supostamente faria aniversário, ou o marido dela, ou o neto, sei lá. Só sei que alguém faria aniversário naquele domingo de outono.

Ah! Essa Modernidade Líquida! Só mesmo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman para explicar a liquefação nos relacionamentos pessoais !

Pois é, a solidez das instituições sociais, como a família, foram gradativamente perdendo espaço desde as grandes transformações dos anos 60. De acordo com a metáfora de Bauman, essas relações , antes firmes e inabaláveis, estão se desfazendo, transformando-se num estado liquido. E não tem jeito, é irreversível. O individualismo evidente no mundo contemporâneo e o desapego social ainda assustam , dá medo junto de uma enorme insegurança, as raízes ficam abaladas, fazendo os saudosistas ruminarem o passado com olhos marejados, dizendo: “no meu tempo era tão bom”.

Mas lá foi o meu cunhado – queridíssimo – para a casa da prima.

Toca o meu celular. Era ele e eu percebi com clareza o burburinho da festa de família. Sim, ainda existem algumas famílias que se reúnem.

-“ Tudo bem, William? Onde você está?”

-“ Estou na casa da prima, aqui o Cambuci.”

- “Que bom! Manda um abraço prá todos. É aniversário dela?”

-“Não. Quer dizer, não sei. Acho que é do neto dela, filho da filha que mora em Londrina”.

-“Peraí, você não sabe de quem é o aniversário?”

-“É. Acho que é aniversário. Nós viemos logo pro almoço e estamos até agora aqui ”.

-“Então você não sabe se é aniversário?”

-“Não sei. Quer dizer, acho que é”.

-“William, vamos por partes: Tem bolo?”

-“Tem”.

-“Como é esse bolo? Tem cobertura, recheio ou é um bolo simples, seco, prá acompanhar o café da tarde?”

-“Tem cobertura sim”.

Pensativa, eu comecei a cismar: são alguns indícios de aniversário. Resolvi permanecer investigando mesmo a longa distância.

-“Outra pergunta: as pessoas, numa determinada hora, ficaram ao lado do bolo e, sorridentes e batendo palmas, cantaram parabéns a você?”

-“Cantaram”.

Bem, a minha dúvida começou a se esclarecer. Tudo levava a crer que, naquela casa do meu saudoso bairro operário do Cambuci, havia uma festa de aniversário. Mas ainda restavam algumas dúvidas.

-“Muito bem, William. Depois que cantaram, qual o nome que as pessoas falaram no final?”

-“No final?”

-“É. Bem no finalzinho”.

-“Não sei. Eu estava lá fora”.

Muito bem. A dúvida ainda dilacerava o meu coração. Era momento de eu acenar com outras possibilidades.

- “Tinha vela sobre o bolo?”

-“Tinha”.

-“Qual o número que a vela exibia?”

- “Não. A vela não acendeu. Tiveram que improvisar”.

A dúvida sempre foi um martírio para mim. Dúvida é sempre atroz, corrosiva. Continuei arriscando:

-“Quem ganhou presentes, William?”

-“Não sei. Eu não vi”.

-“Não viu nem um pedacinho do papel? Se era com estampa de bichinho, ursinho, bola ou era com estampa de flores, sacolinha do Boticário, da Natura, essas coisas...”

-“Não vi”.

-“Mas William, não pode ser aniversário do filho da Aline”.

-“Deve ser,sim”.

-“Como é o nome do menino, William?”

-“Ah, agora eu não sei”.

-“Só podia ser corintiano mesmo. William, o nome do menino é Henrique e ele faz aniversário em agosto. Como que iam fazer a festa prá ele em abril?

-“Vixe”. Agora você me pegou”.

-“Como que você está numa festa e não sabe de que é o aniversário, William?”

-“Ah, me convidaram e eu vim”.

-“Tá bom, William. Por essa você merece um prêmio”.

-“Você não tem as datas aí?”

-“Não, William, não tenho as datas de todo mundo”.

O jeito foi procurar no facebook do meu filho no dia seguinte para ver algum comentário e enviar o meu abraço com os 700 km de lonjura onde me encontro, porque, se fosse depender da exatidão das informações, eu estaria ferrada.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 22/04/2013
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