Nascer em mim...

Vermelho nos meus olhos... Choro!? O anzol enterrado na palma da minha mão... O sangue escorre pela minha carne magra. Pai, a sua mão segura a minha, os seus olhos carinhosos expressam a minha dor. Eu, ainda não tinha experiência nenhuma com a morte. A vida sempre cantou seus versos tecidos pelas mãos das três irmãs Moiras para me ninar.

Pai, lembro-me de que neste dia uma coleção de lambaris desfilou nas águas do rio. “Coleção? Cardume filha, cardume!” Sua voz fala dentro de mim.

Você anda, come, dorme, passeia comigo... Onde? Dentro de mim. O que está fazendo aí? Quero segurar de novo as suas mãos a caminho do circo, ou do cinema, ou do teatro . Meu companheiro comensal das brevidades da vida! Ríamos muito com os palhaços nas idas aos circos. Você sempre foi o meu palhaço. O circo o chama, mas, você não o ouve mais. Eu ouço o seu riso, mas você não ouve o meu!

Levanta deste lugar não o quero ver envolvido nestas flores. Tire este terno usado no dia do meu casamento. Lembra, fui eu que o ajudei a comprar e a pagá-lo em suaves prestações. Dinheiro curto, o seu e o meu! Este cheiro de vela sendo queimada embrulha meu estômago. Levanta pai desta mesa fria.

Sabe, a mãe chora a sua falta. Não a entendo afinal, vocês viviam entre tapas e beijos... mais tapas que beijos é claro!

Outro dia sonhei com você! Quer saber, difícil descobrir se foi sonho mesmo! Pam, pam,pam... a terra tremia aos meus pés... pam,pam,pam... enxadão come a terra, o buraco foi feito, a muda do ipê rosa é acarinhado pela terra fofa... Perdi a conta das árvores que plantei com você, Pai... Você falava das cores no meu vestido, lembra? Rosa é a cor da quinta-feira, leva lembranças de um passeio pelas alamedas floridas, daquele caminho repleto de ipês dançando ao vento outonal. Sinta as suas flores acariciando seus olhos, abraçando a sua alma nesta festa da natureza. Muitos destes ipês foram plantados por suas mãos, Pai.

Muitos escrevem sobre as experiências vividas, eu sei... mas, as minhas são somente minhas com você, Pai! As palavras não dão conta de toda a minha vida junto a sua, Pai, Carlos Gardel definitivamente morreu! Você não o ouve mais! Não o ouço mais cantar! Silencio en la noche ya todo esta en calma el musculo duerme la ambicion descansa...

Levanta Pai, segura a minha mão vamos tomar o ônibus para mais um passeio juntos, levanta! Como a orfandade dói meu Pai. Limpo meus olhos lacrimejantes... Ai, ai meu velho quero encontrar um lugar para jogar meu choro.