“GÊNESE”

Num meio de semana atrás, em meio à tarde sonolenta e monótona, eu ouvi o barulho característico da campainha sendo tocada. Do local de onde estava até a porta da frente, o espaço me permitia ir me despreguiçando a fim de, ao chegar à porta de entrada, não ser preciso me apresentar com sintomas de “isso é hora de tocar a campainha?!” ou “seja o que for que essa pessoa esteja vendendo, eu não quero de jeito nenhum!”.

E assim fiz. Ensaiei uns exercícios de alongamento (só ensaiei) e me dirigi à porta. Quando a abri, dei de cara com dois – e não só um – vendedores. Estavam rindo e fazendo troça da demora em atendê-los. Estavam até dizendo que iam jogar o que traziam para debaixo do carro, estacionado na área de entrada, e iam embora sem querer conversa comigo. Na verdade, na última vez que um deles esteve tocando a campainha da minha casa, ninguém se encontrava e, por causa disso, ele foi obrigado a deixar o pacote que trazia debaixo do carro, o que me causou uma enorme surpresa – boa, diga-se de passagem – quando o abri e dei de cara com o seu conteúdo.

Claro que não deixei! Estes são os tipos de vendedores que são sempre bem-vindos à minha residência. Sem mais delongas, fi-los entrar. Sentamo-nos e esperei para ver o que eles, desta vez, haviam trazido para mim; qual o produto mais novo de sua lavra, que os levou a se deslocarem até ali com o objetivo de apresentá-lo a mim.

E eles me mostraram: de forma retangular, medindo 15,5 x 22,5 cm, em papel couchê, capa dura e com um acabamento impecável, passaram-me às mãos “Gênese” do poeta Leonam Cunha, primeira obra do autor que só em folheá-la (é instintivo... Até para sentir o cheiro cheiroso de páginas recém-impressas e receber, também, a mágica da inspiração de suas poéticas mensagens) já deu para perceber o cuidado com que foi concebida.

Conversamos ainda um pouco, mas, assim como eles – que tinham pressa para irem mostrar o seu produto em outras casas –, eu tinha pressa para começar a degustar as páginas do livro adquirido, que já haviam me conquistado, principalmente pela beleza do acabamento, mas também pelo prazer que me dá de ir, aos poucos, refazendo caminhos, lendo entrelinhas ou desvendando metáforas que, sabia, estavam contidos ali naquele universo chamado de livro.

Despedimo-nos. E eu corri para o meu refúgio literário – cantinho da sala – e comecei a devorar suas 110 páginas de subjetividade, vivência e lirismo do poeta. E o bardo, a partir do título, faz a sua trajetória de vida, contando, minuciosamente, suas dificuldades, seus anseios e suas vitórias, sem se esquecer da emoção que o ato de escrever lhe traz em cada poema rabiscado, cantado assim: [...] Foste audaciosa, criança aí dormindo, preparando-se para cair no desconhecido e respiraste, e esse sopro sofrido separou-se da barreira da vida e do nada (Princípio).

O poeta explora o seu universo conhecido – de sua querida terra natal – e deste universo ele retira, da natureza, o seu canto poético, conclamando seus seres (principalmente, os irracionais) e com eles dá cores aos seus versos e suas rimas.

“Lá vem ele, tombando, a se balançar, com seu bico de pato ampliado e seu corpo de sei lá o quê, ilhado: corpo de ornitorrinco, felpudo a nadar” (Soneto ao Ornitorrinco), ou então quando recita a “Fala dos Bichos”, descrevendo a forma harmônica como os mesmos vivem na natureza. Ele termina o poema mostrando que o ser humano destoa dessa beleza, pois “o homem, sorrindo balas, apresenta sua participação: esgana-se num rá-tá-tá-tá”.

O poeta, pois, trilha desenhando seus devaneios e conta sua história, cifrada, em versos que desabrocham em cascatas pelas páginas de sua obra primogênita, levando sonhos, fantasias, ansiedades, ambiguidades, interrogações, mas, sobretudo, propondo um diálogo criativo entre quem faz e aquele que lê, dando vida – Gênese – à poesia, ao universo poético de quem ainda prevê uma utópica consciência da razão humana diante da beleza de fazer castelos no ar: “Em doirados cachos descem seus cabelos, deslizante, escorres nas pedras da rua, musa do esplendor que todo dia encaro em quem minha poesia deixa-se deitar sobre e adormece fundo, para nunca mais voltar” (Porém de Beleza).

Ah! Os vendedores – de porta em porta – desses sonhos? David de Medeiros Leite e Clauder Arcanjo – Editora Sarau das Letras.



Imagem: Leonam Cunha e a capa do seu livro "Gênese"

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 05/05/2013
Reeditado em 14/05/2019
Código do texto: T4275472
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