A “Lei da Doméstica” e o parentesco com a ‘abolição’ da escravatura

(...Também pela falta de previsão de 'algo' a permitir a manutenção da harmonia entre os protagonistas) - Publicado, imediatamente à aprovação da 'Lei', no site do autor.

- Aqui, muito informalmente, começo dizendo que não tenho a intenção de minimizar ou questionar a importância da Lei (mas seus moldes), muito menos de desmerecer os direitos da classe trabalhadora do serviço doméstico. Mas diante de algumas conclusões que tirei a respeito, preciso divagar sobre o episódio que tanta inquietação está causando Brasil afora - exceto entre os interessados diretos (falando não só dos que – ainda - trabalham na área), isto, porém, por razão dos efeitos-colaterais ainda não sentidos - agora sim, só para os que ainda trabalham no setor.

Não sei você, mas vejo - e a preocupação não é só considerando a nossa “cultura” no que diz respeito ao empregado doméstico, assim como pelo orçamento apertado das famílias de media-renda que, sem saída, tem que manter um/a em casa - uma grande semelhança com o que no passado fizeram com os escravos (palmas para a candidata a governante, quer dizer, para a Princesa Isabel, mas...): os libertaram os lançando à própria sorte, aos leões. Dando no que deu, com seqüelas sociais até os dias de hoje impostas à toda a raça.

As situações, ao mesmo tempo que extremas são semelhantes: naquela época, pelo menos em termos, se fazia não parecer interesse político direto – isto partindo do fato de que os escravos não tinham direito algum, muito menos de voto, além de o sistema ser absolutista - e acabaram jogados ao léu, entregues à toda sorte de mazela, sem a preocupação dos monarcas, muito menos dos senhores de engenho, em fazer algum planejamento com vistas ao sucesso da causa. Resultado: além da propagação de doenças, que os mataram aos montes, a violência, por causa da fome e frio, se generalizou.

Nesse caso em questão, diferente do episódio dos escravos, ao que parece, o interesse político direto e escancarado se fez presente mais que o social: o/a empregado/a doméstico/a vota. E foi só isso que deve ter interessado. E aqui entra a semelhança: planejamento: ação quase certa de ser inexistente nos principais aspectos dessa Lei. – vide ausência de previsão de impedimento à demissões deliberadas. Onde não seria necessário ser tão inteligente para concluir que o resultado pode acabar sendo devastador, tanto para o emprego formal, quanto, e principalmente, para a classe, que amargaria a curto e por logo prazo o desemprego maciço.

A festa, no entanto, é avaliada por esse prisma também por outros que, naturalmente, deveriam fazer coro à aprovação da Lei. Mas que não estão chorando pitangas por causa disso. E sim comemorando: há os que estão preocupados agora em se "organizar" para engrossar o caldo da informalidade prestando serviço de diarista "por que agora vou ganhar mais". E aí é onde está o xis da questão: - Qual era mesmo a intenção? A regularização da Classe? Ah, ta! Mas, e a inevitável enxurrada de demissões, um dos principais efeitos colaterais mais mortais da ideia? E o crescimento vertiginoso, e anunciado, da informalidade no setor, outro dos efeitos sintomáticos do equívoco do seu brilhantismo, sua excelência? No colo de quem vai cair?

E mais: - E a guerra de nervos a se estabelecer – em se tratando de gente: gênios e brios - entre patrões e empregados que não se entenderem por causa das reclamações oficiais que devem ocorrer por entendimento do descumprimento da lei pelos contratantes? – Ah, que se dane, quero é minha reeleição!, talvez seja a resposta. - ainda que aqui reconheça a história de vida, de luta, importância e brilhantismo da carreira política da deputada Benedita. Que certamente se reelegerá. - Por esse ponto-de-vista, preciso dizer, tiro-lhe, pois, o chapéu!

E a questão, inevitavelmente, me reportou à situação que recentemente presenciei partida de pessoas – que, em tese, podem mas não vão querer arcar, sem chiar, com essa conta (repetindo, não falo de valores expressos, mas de termos) – que despreocupadamente desprezavam os atendentes do hotel onde estavam hospedados. Agora avalie que tipo de tratamento os tais devem dar a seus empregados domésticos, ainda mais agora, depois dessa.

Graças a Deus gente desse tipo não é maioria – mas são muitos – E, de novo, não desmereço nem regulamentação, nem a Categoria. Mas preciso registrar que, tanto o Emprego quanto a relação de afetividade, muito comum de ocorrer entre as partes dado a convivência diária, estão seriamente ameaçados com essa iniciativa como está sendo procedida. E, agora, tratando-se da esmagadora maioria, que com o orçamento apertado como é o caso da maior fatia da família brasileira, se verá obrigada a demitir, ou, em consonância com a/o empregada/o, mantê-lo, mas infligindo a lei. - Fazer o quê, não é mesmo, senhora legisladora?

Aí, você pode está se perguntando: mas, e a fiscalização? - Ah, sei, faltou falar da fiscalização. Pois saiba você que não haverá fiscalização proativa alguma (dizendo eles que é para preservar os “direitos” (não violação da residência) da família – viu?, calma, nem tudo está perdido). A “lei” prevê fiscalização apenas reativa (que acontece somente quando se registra uma reclamação). Que, em havendo, de novo, tome-lhe cara-feia e rabo de olho mútuo. - Vai ser uma beleza a convivência...

E olha que a ilustríssima parlamentar, que na Proposta trata as famílias como empresa - que tem previsão de lucros, incentivos, e os escambaus -, diz-se que já foi trabalhadora do lar. Mas ainda que não tenha sido o caso da digníssima no que se refere às sanções noturnas, ela deve saber que em cada 10, mais da metade que dorme no emprego o faz por que precisa dum abrigo, onde não usa o dinheiro que ganha, nem com pasta de dente, sabonete, sabão que lava a própria roupa – que às vezes nem compra a própria roupa -, moradia, alimentação, medicamentos – além das benesses todas que a muitas/os são dispensadas pelos patrões. Mas não importa: dependendo da hora que comece, passou das 18 horas, que se dane: - chamou pra passar o blazer enquanto o sujeito, atrasado para a reunião, toma um banho: HORA-EXTRA + adicional-noturno na moleira dele (para o caso das 'combinações' que agora mais do que nunca devem acontecer a rodo, faz uma conta aí, se por má conduta e oportunismo um/a resolver reclamar isso depois de alguns anos, morando, na casa: - leva a família a falência...). – Facilitou muito para a relação, vamos combinar...!

Mas o que é isso? Uma alegação? Não. É apenas uma lembrança de que, mesmo a excelentíssima deputada tendo, um dia, lavado os pratos dos brancos, nessa Matéria, adaptando e parafraseando o profeta/poeta, “há muito mais coisas entre o céu e a terra
 (leia-se, patrão e empregado/a), que pode supor sua vã filosofia”.

(Grande, o texto, não foi? E olha que não discorri sobre os mais de 5 bilhões de reais que o governo, que a tudo assiste 'de boa' já que a 'ideia' não foi sua, espera arrecadar, a cada ano, só de um dos encargos trabalhistas. Que, pela Classe, lamentavelmente, considerando o poder econômico da maioria das famílias brasileiras, acho muito pouco provável que consiga...)
Antonio Franco Nogueira
Enviado por Antonio Franco Nogueira em 05/05/2013
Reeditado em 17/09/2014
Código do texto: T4275646
Classificação de conteúdo: seguro