Gestos de Amor e Vida


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Que seria de nós sem os cotidianos, os comezinhos, os pequenos gestos de afago e gentileza que chegam até nós sem que esperemos?
Às vezes tudo que queremos e precisamos é ouvir uma voz ao telefone, uma palavra de esperança, um “estou aqui” mesmo que quem diga esteja a milhares de quilômetros.
Às vezes tudo que queremos e precisamos é de um gesto que nos traga o sentimento de quem o fez, bem para perto de nós. Saber, sentir que somos importantes, especiais. É como um aperto caloroso de mão, um abraço, um colo.
Sempre acreditei e acredito que o amor, a amizade, a delicadeza podem ser de fato traduzidos em gestos. Pequenos gestos que nos humanizam e nos aproximam do outro são a esperança que nem tudo está perdido. Eu agradeço cada pequeno gesto de acolhida ao que sou e ao que vivo.
 
Namastê!
 
Partilho com vocês este pequeno texto que muito diz sobre a esperança que devemos cultivar.



A esperança nos pequenos gestos

Por Alcione Araújo

Embora às vezes eu seja acometido de alguns rompantes de indelicadeza, no correr miúdo da vida, no invisível das horas, estou sempre atento às necessidades do outro, estou sempre pronto a distribuir pequenos gestos de atenção. Num sábado qualquer, comprei um lanche para um encanador que ia me prestar um serviço. Não deu certo de ele vir. Resolvi oferecer o lanche pro porteiro do dia, o Josevaldo, novo na portaria do prédio. Fui honesto. Preferi não mentir dizendo que tinha comprado o lanche pra ele. Não fez diferença. Quando ofereci o lanche, o rosto dele abriu-se no mais agradecido dos sorrisos. Mais tarde um pouquinho, com a proximidade instaurada pelo meu pequeno gesto de atenção, ele me contou que estava fazendo 21 anos naquele dia. Me contou, ainda, que está há apenas 5 meses em Brasília, tendo vindo lá do interior do Ceará. Fico imaginando a vida difícil que o Josevaldo deve levar. Sabendo disso, vou procurar agradá-lo mais amiúde. E faço agrados também para os demais que trabalham no prédio. E faço pequenos agrados para a Silvani, minha diarista. Tudo miúdo. Tudo quase invisível. Aos sábados e domingos, deixo os jornais lidos com as atendentes da Casa do Pão de Queijo. Por esses dias, a caminho do restaurante Green’s, tenho cruzado com uma mulher e uma criança. O que me chama a atenção na mulher é o fato de ela não pedir nada. E será mesmo preciso que peça alguma coisa com o olhar tão triste que tem? Não é preciso mais que esse olhar para saber que ela precisa de ajuda. Não a vejo todos os dias e nem sempre estou com dinheiro, mas sempre que a vejo e estou com dinheiro deixo uma ajudazinha. Ela agradece com um Deus abençoa sincero, sem que o olhar triste se altere. Dia desses cruzei com ela (e a criança) na ida para o Green’s e estava sem dinheiro. Comprei no Green’s um pão de mel e um chocolate e deixei com ela na volta. O mesmo agradecimento com o mesmo sorriso mais triste do mundo. Sei que meu gesto é um nada em meio a tanta tristeza e necessidade. Nem por isso vou deixar de ter esperança nos pequenos gestos e muito menos deixar de espalhá-los.
 
 
Esta impecável crônica está no livro Cala a boca e me beija, uma seleção de 70 crônicas do escritor mineiro Alcione Araújo, edição de 2011.