Um mundo sob as estrelas

(Claude Bloc)


Meu quarto de criança era azul. Um azul celeste que me encantava e estimulava minha imaginação. Não havia TV na Fazenda nessa época e ao redor da casa muita escuridão à noite. As fracas lanternas não venciam aquela barreira e o medo de cobra e de alma se enfiava pelas retinas da gente retendo o ímpeto das brincadeiras lá fora. 

Nessas horas, os adultos se punham a conversar ou a jogar baralho (Vinte - um, relancim, sueca, buraco) e a gente tinha que se reservar o alpendre para as fantasiosas brincadeiras. E o que restava para essa menina cheia de idéias?

Eu adorava colar estrelas nas paredes e pelos armários e me imaginar viajando pelos ares, por entre a maciez das nuvens. Aquelas estrelas de papel brilhavam à noite, ao refletir a luz pardacenta das lâmpadas que iluminavam a casa, a partir da força do gerador. Eu as fabricava com aquele papel prateado, aquele mesmo que eu separava nas carteiras de cigarros de meus pais. O cenário, um verdadeiro acampamento com lençóis, vassouras, lamparinas, candeeiros... bolachas, doce, e aquelas latas de apresuntado, que a gente chamava de “kitut de porco”, roubadas da pequena despensa que havia na sala. Era nosso espaço mágico onde a imaginação era tão absoluta que a impressão era uma quase certeza de que, se a gente colocasse o pé pra fora, sentiria aquela graminha molhada com o sereno.

Muitas outras vezes, quando eu era ainda bem pequena, antes de dormir, minha avó (Mamy) lia para mim alguns livrinhos ilustrados, mas também me fazia inventar histórias. Tentava me ensinar a não ter medo das coisas e talvez isso tenha me ajudado, bem depois, a ser corajosa e a enfrentar as dificuldades sem paliativos. Uma coragem absurda e uma curiosidade profunda a respeito da minha vida de dentro. Tive sorte, pois com isso, ela me ensinou a inventar um mundo mais rico e também possível dentro da minha cabeça.

Mamãe também sempre foi muito presente na minha vida. Tinha um jeito bem peculiar de encarar as coisas e acho que, por isso, muita gente não a entendia. Viam o que ela deixava ver, mas não sabiam perceber a profundidade daquele mar que ela guardava lá dentro de si. Sua nobreza, sua branda, impecável e desmesurada maneira de amar. E foi assim que ela me ensinou a enxergá-la. Com a alma. Dessa forma foi que aprendi a ter essa delicadeza de sentir o que me cerca, pois ela me deu as ferramentas necessárias pra olhar e perceber as coisas à minha volta como se elas fossem encantadas e não simplesmente coisas.

Mamãe amava o seu príncipe azul, aquele que também circulava pelos meus domínios. Aquele que circulava por entre as estrelas do meu quarto e me trazia de volta ao mundo real. Meu pai. Meu sensível e obstinado pai, que me ensinou a não ter medo de atravessar o rio enorme e profundo que se abrigava sob as estrelas do meu quarto e nas histórias que inventei. Ele também me ofereceu seu melhor e me deu a capacidade de sonhar, sem me perder nessas viagens entre as nuvens. Agora, fora do meu quarto de criança, aprendi a possuir o resto do mundo sob as estrelas.